Durante fevereiro, Cultura FM destaca em sua programação a sensibilidade muito diferenciada e original deste grande autor
Jean Sibelius é provavelmente um dos compositores mais controvertidos do século 20. De um lado, o mundo anglófono – Inglaterra e Estados Unidos – incensaram suas sinfonias e as entronizaram como um dos maiores monumentos de nossa época. Exaltaram o modo como ele encarnou o desejo de libertação do povo finlandês em relação ao longo domínio russo, por meio de seu curto poema sinfônico “Finlandia”, que se transformou num segundo hino nacional e grito de revolta em relação ao opressor externo.
De outro, visto pela ótica das vanguardas de língua alemã – sobretudo a que se firmou em Viena nas décadas iniciais do século 20, por meio da tríade Arnold Schoenberg-Alban Berg-Anton Webern –, Sibelius parecia um passadista medíocre, que não teve a coragem de fazer avançar a linguagem musical de seu tempo, permanecendo numa zona de conforto que lhe proporcionou popularidade e prestígio junto a públicos mais amplos.
Assim, para Olin Downes, o influente crítico do jornal The New York Times, e a opinião pública anglófona, Sibelius tinha lugar garantido entre os grandes sinfonistas do século ao lado do russo Dmitri Shostakovich, outro desprezado pelas vanguardas por manter-se no limiar da linguagem tonal. De outro lado, o mais influente filósofo e crítico musical da vanguarda, Theodor Adorno, um dos criadores da teoria crítica formulada ao lado de Horkheimer no que se caracterizou como a Escola de Frankfurt, simplesmente considerava Sibelius o pior compositor do mundo.
Hoje, a 150 anos de distância de seu nascimento – em 6 de dezembro de 1865 em Tavastehus, na Finlândia – e a 57 de sua morte, aos 91 anos, no dia 20 de setembro de 1957 –, já possuímos distância histórica suficiente para avalia-lo tão somente pela qualidade de sua música. Não por um ou outro critério estético-ideológico distorcido pelo calor da hora.
E o que se vê é, sim, um dos mais importantes sinfonistas do século 20. Suas sete obras neste gênero possuem uma lógica interna implacável. Ele se preocupava com a forma e o “vínculo interno entre todos os motivos”, como falou a Mahler quando este visitou Helsinque em 1907. Horrorizado, o austríaco respondeu-lhe: “não, a sinfonia deve ser como o mundo, abraçar tudo”.
Foi um diálogo de surdos. De volta a Viena, Mahler escreveu que considerava o finlandês um compositor provinciano, de segunda. Em Helsinqui, Sibelius prosseguiu em sua busca da depuração das formas na música – não só sinfônica, como na de câmara e também em sua vasta e pouquíssimo conhecida produção vocal.
Símbolo nacional de seu país, Sibelius parou subitamente de compor em 1927 – e passou os trinta anos seguintes no mais completo silêncio criativo, recolhido a sua casa em Järvenpää encravada na floresta finlandesa que chamou de Ainola em tributo a sua mulher.
O alcoolismo pesado sem dúvida contribuiu para o bloqueio criativo. Sua última aparição pública como maestro foi desastrosa – ele estava bêbado. Mas, como imagina o escritor inglês Julian Barnes no genial conto “O Silêncio” (editado em 2006 no Brasil pela Ed. Rocco no livro Um toque de limão), o compositor, sentado diante de uma garrafa de vodca, primeiro proclama uma discutível vitória. “Sou tão famoso por meu longo silêncio quanto o fui por minha música”. A razão mais provável, o próprio Barnes a dá mais adiante: “na Alemanha, levaram-me para ouvir um novo tipo de música. Eu disse: ‘vocês estão fabricando coquetéis de todas as cores. E cá estou eu com pura água fria’. Minha música é gelo derretido. Em seus movimentos podem-se detectar suas origens congeladas, em suas sonoridades pode-se detectar seu silêncio inicial”.
Durante este mês de fevereiro, no RadioMetrópolis e no Tarde Cultura, você vai reouvir movimentos de algumas das mais famosas criações de Sibelius. E também sua criação de câmara, como o notável quarteto de cordas “Vozes Íntimas” ou as muitas peças para coros – feminino, masculino, misto. Bem-vindos à sensibilidade muito diferenciada e original deste grande compositor do século 20.
O cmais+ é e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura,
TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.
Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.
Compartilhar
A grande música de Tom Jobim
Beethoven 250 anos
Hugo Wolf, o último gênio do lied
Duke Ellington: Um gênio sem fronteiras
O sabor ibérico da música de Domenico Scarlatti