O sabor ibérico da música de Domenico Scarlatti
Em suas 555 sonatas para teclado, ora fogosas, ora chorosas, até hoje muito populares.
Domenico Scarlatti nasceu em 1685, ano em que também vieram ao mundo dois gigantes: Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Haendel. É hoje basicamente conhecido como compositor de música para teclado. Escreveu cerca de 555 peças curtas que intitulou sonatas e em alguns casos toccatas, capriccios ou gigas. Como não há manuscritos autógrafos mas apenas manuscritos feitos por copistas, abriu-se historicamente um grande leque de discussão e debate entre os musicólogos: as dúvidas vão desde a atribuição de datas para sua composição como também se eram tocadas isoladamente ou integrando obras mais amplas -- provavelmente podem ter sido até agrupadas em suítes. A exceção foi a publicação, em 1738, de 30 sonatas sob o título Essercizi per gravicembalo. A maioria das cópias manuscritas é ainda mais tardia, datando das décadas de 1740 e 1750.
Por que ele escreveu tantas sonatas? Nascido em Nápoles, Domenico foi aluno de seu pai Alessandro e aos 16 anos já era organista da Capela Real da cidade, dirigida por este último. Em 1705 conheceu Haendel, então vivendo em Veneza. A amizade entre eles manteve-se por décadas. E fortaleceu-se três anos depois em Roma: o Cardeal Ottoboni montou uma competição entre o italiano e o alemão, dois jovens compositores e músicos que tinham exatamente a mesma idade, 22 anos. Pois eles se mediram publicamente no cravo. Segundo testemunhos, empataram no cravo.
Por cinco anos, entre 1714 e 1719, Domenico foi mestre da Capela Giulia, no Vaticano. Entre seus patrões em Roma estavam a princesa polonesa exilada Maria Casimira (1709-1714) e o embaixador português no Vaticano, Marquês de Fontes.
Este convenceu Domenico em 1720 a assumir a direção da Capela Patriarcal de Lisboa. Sua obra “Contesa delle Stagione” foi interpretada na Capela Real de Lisboa naquele ano, e muito bem acolhida pelo público local. :
Scarlatti viveu na península ibérica de 1720 até sua morte em 1757. De 1720 a 28 na corte portuguesa, e depois acompanhou sua aluna, a princesa Maria Bárbara de Bragança, filha de Dom João V, na mudança para a corte espanhola quando esta casou-se com o Fernando VI.
Sua música soa muito espanhola, tem perfume ibérico. E ele mesmo passou a assinar, em documentos legais, como “domingo scarlatti”. Espanholizou seu nome.
Barbara aprendeu a tocar cravo com Domenico – e foi para ela que o compositor escreveu muitas das suas 555 sonatas para o instrumento – sempre curtas, em um único movimento, cheias de contrastes dinâmicos, com notas repetidas e ornamentações diferenciadas como a acciacatura (grupo de notas grafadas em tamanho menor que devem ser tocadas antes da nota principal).
No caldeirão de sua vivência em Nápoles, Roma, e depois em Lisboa e Madri, cabia uma enorme diversidade de estilos musicais. Scarlatti usava quase sempre uma estrutura binária como forma básica para as suas sonatas: isto significa que as sonatas estão divididas em duas seções principais (frequentemente repetidas).
Nelas estão bem presentes as marcas do Barroco: a imitação inicial entre vozes, ao estilo da fuga barroca; o caráter de dança de corte; o recurso à virtuosidade; a influência da música popular espanhola. Durante este mês, vamos revisitar muitas das 555 sonatas para cravo, além de algumas sonatas em versão para violino e piano, sem esquecer as incríveis reinvenções da música de Scarlatti em arranjos para outros instrumentos, como o violão, o órgão, a harpa e até o acordeon. Além das sonatas virtuosísticas, há também muitas que respiram a mesma melancolia, na expressão do pianista André Mehmari, do “choro-canção”.
O cravista e musicólogo norte-americano Ralph Kirkpatrick (1911-1984), que estudou composição com Nadia Boulanger e cravo com Wanda Landowska em Paris, praticamente dedicou sua vida ao majestoso edifício das 555 sonatas scarlattianas. Propôs uma catalogação preferencialmente usada hoje por músicos e editores em geral, que vem grafada com dois “k”: Um maiúsculo e um minúsculo. E gravou muitas delas assim como obras de Bach e outros compositores, sempre ao cravo. Existe também outra catalogação realizada pelo italiano Alessandro Longo (1864-1945), compositor e musicólogo. A sua em geral é referida por um “L” maiúsculo. Dependendo da gravação e da escolha do músico, vamos localizar cada sonata com Kk ou com L.
No ar de segunda a sexta-feira dentro do Rádiometrópolis (9h) e Tarde Cultura (15h)
Apresentação: João Marcos Coelho
Produção: Bruno Lombizani
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