De um lado, um realismo socialista que escondia ironias e alusões endereçados a quem os pudesse compreender. De outro, criação cerrada, flertando com o futuro
É difícil imaginar a situação de um compositor obrigado a negociar a vida inteira entre suas tendências criativas e um meio ambiente hostil. Dmitri Shostakovich (1906-1975) é o caso-limite deste embate no século 20. Viveu praticamente toda a sua vida adulta sob o regime soviético. Às vezes escrevia peças a caráter para agradar ao grande público e ao regime; outras, para poucos, iniciados; talvez apenas para si mesmo.
Isso fez com que toda a sua grande produção musical oscilasse, do ponto de vista estético. De um lado, um realismo socialista à primeira vista ingênuo, mas que escondia ironias, alusões e subtextos endereçados a quem os pudesse compreender. Isso está presente na maior parte das 15 sinfonias, nas cantatas, aberturas e música funcional (mais de 50 trilhas para filmes). De outro, criação cerrada, flertando com o futuro, expondo as contradições não só das linguagens musicais despedaçadas do século 20 mas igualmente atirando punhais cifrados para o regime que o oprimia.
Este é o compositor que você ouvirá, diariamente, de segunda a sexta-feira, no RádioMetrópolis e no Tarde Cultura. A ideia é revisitar algumas de suas obras-primas, mas também revelar tesouros escondidos. As canções que ele fez para elevar o moral das tropas soviéticas sitiadas, em 1941, pelo exército nazista em Leningrado: uma cantora, um violoncelista e um violinista faziam pocket-shows com melodias conhecidíssimas do repertório ocidental (como a “Habanera”, da Carmen de Bizet) e as locais, assinadas por compositores populares.
Nem tudo foram espinhos na vida do compositor. Até meados dos anos 1930, ele viveu primeiro como um dos estudantes mais promissores do Conservatório, até 18 anos; dos 20 aos 30 anos, entre 1926 e 1936, transformou-se no mais importante compositor soviético. Sua ópera Lady MacBeth de Msensk, grande sucesso de público e crítica desde a estreia em janeiro de 1934. Dois anos depois, em janeiro de 1936, o jornal oficial do partido, Pravda, publicou um artigo violentíssimo contra e ópera e o compositor, chamando-os de decadentes, burgueses. Rolou até o boato de que o artigo tinha sido provocado pela ida inesperada de Stálin ao teatro para conhecer o grande sucesso do então promissor compositor. Paizinho detestou a trama e, dizem, teria redigido ele mesmo o artigo do Pravda.
Dali em diante, sua vida transformou-se num inferno. Não teve coragem de estrear sua quarta sinfonia (o que só aconteceu após a morte de Stálin, na década de 1950). Refugiou-se na música de cinema para sobreviver. Sua atuação como bombeiro no certo a Leningrado, na Segunda guerra Mundial, deu-lhe fama mundial. A revista semanal “Time” estampou-o na capa, em 1941, a caráter, como bombeiro. Suas obras passaram a ser contrabandeadas para o Ocidente e estreadas. Ele mesmo, no entanto, cultivou uma perigosa duplicidade: de um lado, afagava o regime em declarações públicas e em viagens aos Estados Unidos e Europa. De outro, sua música “dizia” exatamente o contrário.
Ambiguidades e motivações políticas à parte, o fato é que a música de Shostakovich impõe-se por sua imensa qualidade de invenção. Nas quinze sinfonias e nos quinze quartetos de cordas pode-se enxergar as duas faces deste genial Janus musical [Janus: deus romano, porteiro celestial, representando fins e inícios, passado e futuro]. Em Lady MacBeth, uma obra-prima lírica entre as maiores do século 20, das poucas a de fato integrar-se ao repertório das salas de ópera internacionais. E, além dos quartetos de cordas, sua produção camerística também se impõe, assim como os concertos, sobretudo os dedicados ao violoncelista Mstislav Rostropovich.
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