O compositor do mês de abril foi um genial poço de contradições na vida e na obra
Richard Strauss fez da constante surpresa uma norma de conduta criativa. Na vida familiar, foi pacato e previsível, permanecendo casado com a soprano Pauline de Ahna por meio século, até a morte. Mas o compositor adotou sempre posturas inesperadas, que muitos não compreenderam. O competentíssimo orquestrador que deglutiu de modo genial a revolução wagneriana em seus poemas sinfônicos e assumiu-se revolucionário na Salomé do início do século transformou-se num criador musical incrivelmente bem comportado nas décadas seguintes.
O pesquisador norte-americano Bryan Gilliam, um dos mais recentes estudiosos da obra de Richard Strauss, afirma que o compositor diferencia-se pela predileção em misturar banal e sublime em sua música. "Desse modo", diz Gilliam, "ele desafia decididamente todos os estereótipos possíveis sobre os compositores dos séculos 19 e 20". O mundo, para Strauss, dividia-se entre sua vida doméstica e sua vida profissional. E ele não as misturava; ou seja, não fazia de suas angústias pessoais matéria-prima para a criação musical. Privilegiava a disciplina, a ordem e a estabilidade. Por exemplo, ele sempre admirou fanaticamente a obra de Richard Wagner, mas não hesitou em dizer que o cérebro que havia escrito Tristão e Isolda era, com certeza, "mais frio que o mármore". Moldou sua vida, ao que parece, tendo como modelo o discreto Brahms, que conheceu bem.
Ao contrário de compositores como Gustav Mahler ou Arnold Schoenberg, que encaravam a prática musical como um ato romântico, Strauss a enxergava apenas como uma profissão. Este pragmatismo talvez seja a chave para compreendermos e degustarmos com mais adequação a sua obra genial. Ele é, afinal, um dos compositores do século 20 mais executados nas salas de concertos e casas de ópera em todo o mundo; e também é um dos mais gravados. Uma tendência que explodiu de 1968 para cá, quando o cineasta Stanley Kubrick usou a abertura do poema sinfônico Assim Falou Zaratustra em seu celebrado filme 2001 – uma odisséia no espaço.
Chega a ser difícil de acreditar que foi o mesmo compositor que escreveu a escandalosa Salomé, a Sinfonia Doméstica, o divertidíssimo poema sinfônico Till Eulenspiegel retratando as aventuras de um picareta, ou a ópera-pastiche O Cavaleiro da Rosa. Pessoalmente, ele também era um poço de contradições: fanático praticante do carteado e ao mesmo tempo capaz de sacar citações refinadas da obra de Goethe. Profissionalmente, chegou a reger música em supermercados nos Estados Unidos; e concordou docilmente quando Hitler, recém-chegado ao poder na Alemanha em 1933, nomeou-o presidente da Câmara de Música do Reich sem se dar ao trabalho de consultá-lo. Pior: aceitou o cargo, gesto que lhe valeu muitas críticas no finalzinho da vida, após o término da Segunda Guerra Mundial. Afinal, ele foi dócil ao regime nazista do começo ao fim. Tentou, é verdade, separar a música da esfera política, algo impossível na Alemanha nazista. Fez parceria com o judeu austríaco Stefen Zweig e por causa disso teve uma ópera sua proibida.
Em suma, sua vida é "uma soma extremamente complexa de verdades contraditórias" – a feliz expressão do ensaísta Isaiah Berlin busca definir a condição humana em geral, mas cabe à perfeição no perfil de Richard Strauss.
"Amanhece. O indivíduo entra no mundo, ou o mundo entra no indivíduo", escreveu Strauss no manuscrito de Assim Falou Zaratustra. A noção de progresso linear na história da música, sobretudo na do século 20, levou a uma postura radical exclusivista que não dava espaço para mais de uma perspectiva. Ora, Strauss, como escreve Gilliam, "tratava o estilo musical a partir de uma perspectiva a-histórica e crítica". Ele usava, portanto, as mais diversas técnicas e linguagens do passado como materiais para sua criação musical. Como o russo Igor Stravinsky, Strauss praticou muito tempo antes o que hoje chamamos de pós-modernismo em música. Ou seja, eles criaram música como nós, hoje, construímos o acervo de nossos iPods, juntando as músicas mais diversas, sem grande preocupação com a coerência ou com apenas um gênero ou estilo. Esta talvez seja a sua sacada mais genial e que nos torna muito próximos de sua música, neste início de século 21.
Em junho próximo completam-se 150 anos do nascimento de Richard Strauss. A Cultura FM antecipa-se às comemorações fazendo dele o compositor do mês de abril.
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