Os versos do poema a seguir possuem uma visão irônica do sentimentalismo moderno
Já mencionamos aqui o senso rítmico do poeta português – também romancista, tradutor e ensaísta – Vasco Graça Moura. Este apuro do ouvido não deixaria de favorecer certa atenção para a música, como podemos constatar no poema que ouviremos a seguir, blues da morte e do amor onde se somam procedimentos literários variados. Em primeiro lugar uma emulação da frase longa e da cadência típicas do blues, essa canção de lamento nascida nos campos de algodão e na voz dos escravos no sul dos Estados Unidos. Depois, a trama de rimas internas, que tornam o poema uma câmara de eco que reforça sua matriz musical. Mas sobre esta trama e o andamento de base, por assim dizer, o poeta derrama uma dose de ácido humor anti-romântico, de modo que os versos trazem, submersa, uma visão irônica do sentimentalismo moderno, viram – desde o título – uma paródia de certo modo yankee de expressão e, em última instância, fazem uma afiada crítica ao colonialismo cultural norte-americano em territórios lusófonos. Vamos nos divertir também, então, ouvindo esse blues da morte e do amor de Vasco Graça Moura.
Vasco Graça Moura
blues da morte e do amor
já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.
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