Rui Knopfli (1932 - 1997)
Para o poeta Rui Knopfli, nascido nas savanas de Moçambique, educado com fineza em Johannesburgo e autoexilado em Londres e Lisboa até o fim da vida, o paraíso da infância era o lugar da única felicidade possível. Para uma sensibilidade como a dele o restante era, basicamente, o convívio com os bárbaros. Houve quem falasse numa poética da sinceridade, também. O fato é que a vida quase anônima de Knopfli, sem rompantes de visibilidade, parece mais conforme à busca do segredo da poesia. Esse é o tema, por sinal, do poema que ouviremos a seguir, de leitura difícil, pela modéstia de sua palavra, sinal quase certo de maestria. É sem dúvida um momento alto. Escrito provavelmente em 1963 chama-se, justamente, Ars Poética 63.
Rui Knopfli
Ars Poetica 63
Como fazer versos?
Sentar
numa cadeira à secretária,
papel à frente, caneta em punho.
Esperar. Esperar em vão. Esperar.
Esperar mais ainda. Esperar sempre.
Se é fumador, fumar então
antes, depois ou no decurso.
Se não, continuar a esperar.
Se ao fim de um certo tempo
o dito tempo exceder o tempo
que se achou ser justo esperar,
desistir. Para voltar em novas
arremetidas desesperadas e inúteis,
em dias alternados ou consecutivos.
Em dada altura, vai-se de avião,
e ela chega como no expresso
do Poeta de S. Martinho de Anta,
mais pobre, menos ritmada talvez
(não admira, vai-se de avião!),
mas vem, contudo, e é o que importa.
Pode começar por uma palavra bonita,
coisa rara e difícil. E arriscada:
nunca se sabe o que virá depois
que pode ser bem pior e fracassar.
Há quem comece com irmãos,
o que tem vantagens inúmeras,
desde as garantias de escolas às conveniências
e conivências do correligionarismo fiel
que assegura um público bastante certo,
embora pouco amante da poesia
e, de ordinário, pouco esperto.
Desvantagens:
traz grandes dores de cabeça e pesadas
responsabilidades para com a humanidade
inteira e o Homem com H maiúsculo,
tarefa sempre ingente para quem começa.
O melhor ainda, o mais velhinho
e garantido é começar pela palavra
eu. Será umbilicalista, egoísta,
eu sei cá, mas é pequenina e humilde
e não diz mais do que diz, não tem
mais responsabilidades do que as que convém
seu minúsculo e modesto universo. Será
pouco, mas é um mundo. Para quê
querer incendiar os astros se, dentro de nós,
ainda não acendemos todas as luzes.
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