Boas interpretações de obras poéticas são raras por várias razões, mas a menor delas não será, certamente, o fato de muitos poetas dizerem mais do que sabem.
Boas interpretações de obras poéticas são raras por várias razões, mas a menor delas não será, certamente, o fato de muitos poetas dizerem mais do que sabem. Tal fenômeno se deve menos à individualidade de cada autor e mais à linhagem da própria poesia, que descende, por assim dizer, do mundo mágico ancestral e guarda em seu DNA, mesmo se oculto à vista dos modernos, o dom da intuição supra-racional. Isso a propósito do longo ofício do poeta paulistano Paulo Bomfim junto às letras, e que pelas implicações de sua formação pode ser descrioa como uma perseverante busca do esplendor das palavras. A palavra ouro está implícita aqui, e com justeza, pois o poeta descende dos bandeirantes, ou seja, de buscadores de tesouros. Assim, a obra de Bomfim é, de certo modo, análoga à faina de seus antepassados, o que não deixa de ser curioso. O resultado final é a aparição de uma metamorfose, bem conhecida na antiguidade: a do amante que se transforma enfim naquilo que ele ama. Não é de outra coisa que fala o soneto Do Vício de cantar, que leremos a seguir.
Paulo Bomfim
Do Vício de cantar
Eu canto pelo vício de cantar,
Vício de fonte e pássaros andejos,
De passado na voz dos azulejos
E tempestade amamentando o mar.
E canto nesta febre de inventar
A distância que nasce de meus beijos,
O desejar de todos os desejos
E este silêncio engravidando o mar.
Da artéria aberta faço minha sonda,
Espaço que penetra o eu profundo,
Praia chamando a derradeira onda.
Eu canto como canta o precipício:
Mergulho nos vocábulos do mundo
E me transformo no meu próprio vício!
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