Miguel Torga (1907-1995)
Não surpreende que um poeta como o português Miguel Torga,pseudônimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, não tenha permanecido muito tempo na confraria modernista da famosa revista Presença, apesar das companhias ilustres de José Régio, Fernando Pessoa , João Gaspar Simões e, eventualmente, Mário de Sá-Carneiro. Vinculado desde a infância à rede de afetos de sua aldeia natal, emTrás-os-Montes, no norte de Portugal; amigo de paisagens e plantas agrestes (de uma das quais tirou o sobrenome literário); solitário, pouco dado a autógrafos e dedicatórias, avesso às correntes estéticas em geral... Como um tal poeta poderia compartilhar da atmosfera modernista e suas exaltações tecno-futuristas e, por consequência, racionalistas? Era um homem fora da curva, por assim dizer, oculto no diário que manteve por décadas, onde deixou inúmeros versos e muito de suas memórias. Vamos ouvir Miguel Torga em dois breves poemas em que vislumbramos sua loucura lírica. Intitula-se, o primeiro, De tanto olhar o sol, e o segundo, Tacteio em vão a realidade.
Miguel Torga
De tanto olhar o sol
De tanto olhar o sol,
queimei os olhos,
De tanto amar a vida enlouqueci.
Agora sou no mundo esta negrura.
À procura
Da luz e do juízo que perdi.
Miguel Torga
Tacteio em vão a realidade
Cego, tacteio em vão a claridade;
Louco, cuspo no rosto da razão;
E deambulo assim
Dentro de mim
Negação a negar a negação.
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