Manuel António Pina (1943-2012)
É comum, nas resenhas críticas de poesia, que se deixe para segundo plano, e às vezes até mesmo sem menção, o fato que o poema é sempre algo construído, mais ou menos como o é um edifício, onde as palavras são os tijolos, embora dotados de uma estranha ambiguidade. Assim, por exemplo, nos comentários sobre a obra do poeta português Manuel António Pina é possível conhecer muitas marcas do pensamento filosófico e estético do autor, como a tentativa de sair de si mesmo, a percepção da consciência como uma exterioridade, o sentimento da memória e da linguagem como espaços enevoados. Em contrapartida, pouco é dito sobre os artifícios da arquitetura poética, propriamente dita. Por exemplo, o domínio do fecho, essa necessária guilhotina que separa os versos do corpo cotidiano do idioma. Ouçamos mais um exemplo do manejo desta lâmina nos versos que Manuel António Pina batizou, numa paráfrase que evoca o poeta austro-húngaro Rainer Maria Rilke, de... A um jovem poeta.
Manuel António Pina
A um jovem poeta
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
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