Homero (ca. Sec. VIII A. C.)
Uma das grandes dificuldades para a leitura, hoje em dia, das obras clássicas da poesia, a exemplo da Ilíada e da Odisséia de Homero, consiste na aceleração na qual todos vivemos. Estes não são textos que podem ser lidos entre mil afazeres, mas sim poesia ciumenta, que exige absoluta exclusividade. A Ilíada era tradicionalmente narrada, diante das assembleias dos antigos, ao longo de três dias. Tudo parava. E o impacto do aedo, o poeta ancestral, a declamar os versos, transmitidos por tradição oral e decorados pela graça de Mnemosynè, deusa da Memória, naquele mundo ágrafo, isto é, anterior à escrita; aquele impacto era tamanho que os doentes eram trazidos à plateia para serm curados pelo poder da palavra inspirada do poeta. Como reproduzir isso numa época onde a dessacralização de tudo, a banalidade mais veloz e o mau gosto culminam? O que se pode fazer, talvez, é recordar alguns instantes da obra imortal. Comecemos então com a Invocação à deusa, ous e preferirem, à Memória, que abre o Canto I da Ilíada. O tema é a Cólera de Aquiles, ofendido por Agamenon, comandante dos gregos, aqui chamados “aquivos”, de Acaia, uma região da Grécia. O herói, zangado, retira-se dos combates, causando derrotas para os gregos e assim muitos deles baixam ao Hades, o reino da morte. Esse conflito entre Agamenon, descendente do rei Atreu, e Aquiles, filho da deusa Tétis, vai desencadear toda a tragédia da Ilíada. A palavra “cólera”, em grego “ménis”, é a primeira que se lê no verso 01, e na poesia antiga a primeira palavra tinha a mesma função do título nos livros modernos. Assim o Canto I da Ilíada é tradicionalmente chamado “da Cólera”. Vamos ler os sete versos desta Invocação à Deusa na célebre tradução de Carlos Alberto Nunes.
Homero (ca. Sec. VIII A. C.)
Ilíada – Canto I - Invocação
tradução de Carlos Alberto Nunes
μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληϊάδεω Ἀχιλῆος |
Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Pelida, |
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