Gilka Machado (1893 - 1980)
“Sonhei em ser útil à humanidade. Não consegui, mas fiz versos. Estou convicta de que a poesia é tão indispensável à existência como a água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor". Estas são palavras sábias da poeta carioca Gilka Machado, que vinha de uma linhagem de artistas, escandalizou os literatos já na primeira década do século XX com o erotismo simbolista de seus versos e ganhou notoriedade nos anos 30, quando seus livros começam a ser inclusive traduzidos para o espanhol e ela viajou para a Argentina e Estados Unidos. Para se ter ideia de sua popularidade, numa votação promovida por uma das revistas mais populares da época, o semanário O Malho, foi eleita, por larga margem de votos, a melhor poeta brasileira. Sua personalidade era única, mas não só pelos poemas eróticos que ousava publicar. Recusou, por exemplo, o convite para se candidatar à Academia Brasileira de Letras, na qual teria sido a primeira mulher. E abandonou a poesia, em 1976, quando o filho Hélios morreu, despedindo-se com o poema Meu menino. Vamos ouvir um dos sonetos de Gilka Machado, onde a exatidão parnasiana se esvai em ondas de languidez simbolista. O poema intitula-se Volúpia.
Gilka Machado
Volúpia
Tenho-te, do meu sangue alongada nos veios,
à tua sensação me alheio a todo o ambiente;
os meus versos estão completamente cheios
do teu veneno forte, invencível e fluente.
Por te trazer em mim, adquiri-os, tomei-os,
o teu modo sutil, o teu gesto indolente.
Por te trazer em mim moldei-me aos teus coleios,
minha íntima, nervosa e rúbida serpente.
Teu veneno letal torna-me os olhos baços,
e a alma pura que trago e que te repudia,
inutilmente anseia esquivar-se aos teus laços.
Teu veneno letal torna-me o corpo langue,
numa circulação longa, lenta, macia,
a subir e a descer, no curso do meu sangue.
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