Francisca Júlia (1871 - 1920)
A poeta paulista Francisca Júlia entrou para a história da literatura brasileira sobretudo como uma parnasiana, afeita portanto à perfeição formal, sobretudo em sonetos, a temas arcaicos ou mitológicos, às evocações espirituais, enfim, aos traços característicos do parnasianismo no Brasil. Poucos se lembram, entretanto, de seu papel como pioneira da literatura para crianças no país, nisso antecedendo em muitos anos a Cecília Meireles. Seu Livro da Infância, escrito com o irmão, o também poeta Júlio César da Silva, é de 1899. Mais importante ainda é o último livro da autora, Alma Infantil, de 1912, em nova parceria com o irmão, entre monólogos e diálogos, recitativos, cenas escolares, hinos e jogos infantis. Mas o melhor de tudo é que, nestas obras, Francisca Julia, livre das regras que os parnasianos se auto impunham ao escrever para adultos, revela uma pena muito mais leve e bem humorada, sem deixar por isso de ser criativa. Saboreemos, por exemplo, as divertidas estrofes do poema Voz dos Animais de Francisca Júlia e seu final inesperado...
Francisca Júlia
Voz dos animais
O peru, em meio à bulha
De outras aves em concerto,
Como faz de leque aberto?
— Grulha.
Como faz o pinto, em dia
De chuva, quando se interna
Debaixo da asa materna?
— Pia.
Enquanto alegre passeia
Girando em torno do ninho,
Como faz o passarinho?
— Gorjeia.
E de intervalo em intervalo
Quando a manhã se levanta,
No quintal que faz o galo?
— Canta.
Quando a galinha deseja
Chamar os pintos que aninha,
Como é que faz a galinha?
— Cacareja.
A rã quando a noite baixa,
Que faz ela a toda hora
Dentre os limos em que mora?
— Coaxa.
E quando as narinas incha,
Cheio de gosto e regalo,
Como é que faz o cavalo?
— Rincha.
Que faz o gato, que espia
Uma terrina de sopa
Que fumega sobre a copa?
— Mia.
Com a barriga farta e cheia,
Que faz o burrinho quando
Se está na grama espojando?
— Orneia.
Para o sinal de rebate,
Aviso, alarme ou socorro,
Como é que faz o cachorro?
— Late.
Para que as mágoas embale
Quando tresmalha, sozinha,
Que faz a branca ovelhinha?
— Bale.
Em fugir quando porfia
À garra e aos dentes do gato.
Como faz o pobre rato?
— Chia.
De pé a boca descerra
E alta levanta a cabeça,
Que faz a cabra travessa?
— Berra.
Cheia a boca de babuge
Do milho bom que rumina,
Que faz o boi na campina?
— Muge.
A pomba que grãos debulha.
Como faz, batendo as asas
Sobre o telhado das casas?
— Arrulha.
A voz tremida do grilo
Que vive oculto na grama,
A trilar, como se chama?
— Trilo.
Mas escravos das paixões
Que os fazem bons ou ferozes,
Os homens têm suas vozes
Conforme as ocasiões.
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