Francisca Júlia (1871 - 1920)
A poeta paulista Francisca Júlia talvez seja a nossa parnasiana mais escultórica, digamos assim, e não é acaso que um dos seus mais famosos sonetos, Musa Impassível, tenha inspirado Victor Brecheret a fazer a estátua que ornava o túmulo da poeta e que hoje está na Pinacoteca de São Paulo. Há uma busca de impessoalidade nos versos de Francisca Júlia que bem justificam o título de seu primeiro livro Mármores. A princípio há sonoridade e vigor em suas palavras, não por exprimirem emoções, mas por serem como que esculpidas em pedra. Aos poucos, porém, inseriram-se em seus poemas traços simbolistas e seus versos tornaram-se cada vez mais místicos e filosóficos, tratando de assuntos como fé, vida após a morte, reencarnação e doutrinas orientais. Como esse processo caminhou em paralelo à doença do marido, é possível supor que as tristes circunstâncias externas tenham lentamente embaçado a limpidez marmórea que a poeta apresentou em sua criação inicial. Vejamos então como temas abstratos se apresentam nos versos de Francisca Júlia tomando, como exemplo, um soneto de evocações transcendente chamado, sintomaticamente, Outra Vida. A primeira estrofe é sem dúvida a melhor, ritmada a cinzel. As outras são-lhe apenas subsidiárias.
Francisca Júlia
Outra Vida
Se o dia de hoje é igual ao dia que me espera
Depois, resta-me, entanto, o consolo incessante
De sentir, sob os pés, a cada passo adiante,
Que se muda o meu chão para o chão de outra esfera.
Eu não me esquivo à dor nem maldigo a severa
Lei que me condenou à tortura constante;
Porque em tudo adivinho a morte a todo instante,
Abro o seio, risonha, à mão que o dilacera.
No ambiente que me envolve há trevas do seu luto;
Na minha solidão a sua voz escuto,
E sinto, contra o meu, o seu hálito frio.
Morte, curta é a jornada e o meu fim está perto!
Feliz, contigo irei, sem olhar o deserto
Que deixo atrás de mim, vago, imenso, vazio...
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