Florbela Espanca (1894 - 1930)
A brevíssima vida da poeta portuguesa Florbela Espanca foi tumultuada. Nos exatos 36 anos que vão de 8 de dezembro de 1894 a 8 de dezembro de 1930, essa alma mais que sensível, sofreu bastante com dores e perdas, especialmente a do irmão idolatrado, mas transformou suas penas e seus sonhos em sonetos não só de inultrapassável beleza, mas de ritmo preciso e expressão potente, marcada por um erotismo e por um panteísmo que o próprio Fernando Pessoa admirava. Basta lembrar o célebre soneto que começa assim: "Ser poeta é ser mais alto, é ser maior...". Além disso, Florbela Espanca nunca incorreu no deselegante equívoco de discutir com sua Musa, o que vem bem ao caso do poema que leremos a seguir, neste série de vésperas de Natal. É um soneto de devoção que expressa, em termos ocidentais, algo que o Islam conhece desde sempre: a total submissão a Deus. Mas numa época de ceticismo militante, como a nossa, achar quem reconheça a luz desses versos é pedir pela agulha no palheiro. Pior ainda, sendo a autoria de uma mulher, que menciona “seu Senhor”, ainda é preciso suportar a suposta psicanálise da literatura que vê, nestas palavras, a dominação de gênero e quem sabe quais outras variações psicossociais. Mas Florbela Espanca, que preferia obedecer à sua Musa do que a pretensões teóricas, não teve medo de batizar seu soneto de Escrava e de declarar o eterno prêmio prometido a tão voluntária servidão.
Florbela Espanca
Escrava
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!
Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
P’los séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor!
Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de oiro e de veludo.
Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!....
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