No mundo inteiro movimentos políticos denunciaram a morte de Lorca como mártir da liberdade
O brutal e estúpido assassinato do poeta Federico Garcia Lorca no início da Guerra Civil Espanhola fez dele também um símbolo, acrescentando ao valor de seus poemas e peças a moldura da tragédia pessoal. No mundo inteiro movimentos políticos denunciaram sua morte como mártir da liberdade e fizeram dele escudo para se manifestarem. Inclusive no Brasil onde, em 1968, nos 70 anos de nascimento do poeta portanto, cidadãos espanhóis aqui exilados, membros do Centro Cultural García Lorca, convidaram o artista plástico e arquiteto Flávio de Carvalho a fazer uma escultura para celebrar Lorca. No dia primeiro de outubro daquele ano, com a presença do poeta chileno Pablo Neruda, a obra foi inaugurada, na Praça das Guianas, no Jardim Paulista. Uma exposição na Biblioteca Mário de Andrade e um espetáculo no Theatro Municipal, com a participação de artistas como Chico Buarque e Geraldo Vandré, completaram as homenagens. Oito meses depois, porém, em 20 de junho de 1969, a escultura amanheceu em pedaços coberta de panfletos onde se lia: “comunista e homossexual”. O atentado foi atribuído ao CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, mas os culpados nunca foram achados. Os jornais, que haviam noticiado durante todo o ano de 1968 assuntos ligados a Lorca, demoraram quase uma semana para anunciar o atentado. A escultura despedaçada foi levada para um depósito da Prefeitura e lá ficou até 1971, quando Flávio de Carvalho a restaurou, por conta própria, com o intuito de integrá-la à Bienal de Arte de São Paulo, mas foi impedido de entrar com a obra no pavilhão. De volta ao depósito da Prefeitura, a obra foi esquecida e se deteriorou, até 1979, quando numa poética ação de guerrilha cultural alunos da Escola de Comunicações e Artes e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP se disfarçaram e conseguiram tirar a peça do depósito. Podemos nomear ao menos dois desses guerrilheiros culturais; Fernando Meirelles e Marcelo Machado. Levada para a FAU a estátua foi restaurada e, em nova ação poética, foi colocada de madrugada no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, no dia em que o prefeito Olavo Setúbal participaria de um evento. Dois dias depois, a escultura foi recolocada em seu lugar de origem, onde permanece até hoje. E depois de contar essa linda história relacionada a esse poeta, do qual celebramos agora 120 anos de nascimento, vamos ler, em tradução deste apresentador, aquele que talvez seja seu mais famoso poema: O Romance Sonâmbulo de Federico Garcia Lorca.
Federico Garcia Lorca
Romance Sonâmbulo
tradução de Fabio Malavoglia
Romance Sonámbulo
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas le están mirando
y ella no puede mirarlas.
*
Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde...?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.
*
Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los montes de Cabra.
Si yo pudiera, mocito,
ese trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
dejadme subir, dejadme,
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.
*
Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal,
herían la madrugada.
*
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento, dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está mi niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!
*
Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche su puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos,
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.
Romance Sonâmbulo
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
Uma barca sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra na cintura
ela sonha em sua varanda,
verde carne, pelos verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde,
sob a lua dos ciganos
as coisas a estão olhando
e ela não pode olhá-las.
*
Verde que te quero verde.
Geadas das grandes estrellas,
Vindas no peixe de sombra
que abre o caminho à aurora.
A figuera raspa seu vento
Com a lima de seus ramos,
e o monte, gato arqueado,
eriça seu miado azedo.
Porém quem virá? E por onde...?
Ela segue em sua varanda,
verde carne, mechas verdes,
sonhando no mar amargo.
*
Compadre, quero trocar
meu cavalo por sua casa,
minha sela por seu espelho,
minha faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando,
desde os montes de Cabra.
Se eu pudesse, rapaz,
esse trato se encerrava.
Mas eu já não sou eu,
nem meu lar é mais meu lar.
Compadre, quero morrer
decentemente em minha cama.
Pelo aço, se assim puder ser,
sobre os lençóis de holanda.
Não vês a ferida que trago
desde o peito até a garganta?
Trezentas rosas morenas
Traz o teu peitilho branco.
Teu sangue goteja e fede
Em volta da tua cinta.
Mas eu já não sou eu,
nem meu lar é mais meu lar.
Deixai-me ao menos subir
até as altas varandas,
Deixai-me subir, deixai-me,
até as altas varandas.
Balaustradas dessa lua
por onde a água retumba.
*
Já sobem os dois compadres
até as altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam sobre os telhados
Os lampiões de lataria.
Mil pandeiros de cristal,
feriam a madrugada.
*
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
Os dois compadres subiram.
O amplo vento, deixava
na boca um gosto raro
de fel, de menta e alfavaca.
Compadre! Onde está, diz-me?
Onde está tua menina amarga?
Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperava,
face fresca, mechas negras,
aqui na verde varanda!
*
Sobre a boca da cisterna
embalava-se a cigana.
Verde carne, mechas verdes,
com olhos de fria prata.
Um pingente gelado de lua
sustenta-a sobre a água.
A noite tornou-se íntima
como uma praça pequena.
Bêbados guardas civis,
davam murros sobre a porta.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
Uma barca sobre o mar
e o cavalo na montanha.
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