Os poetas fazem parte de um gênero de humanos que às vezes consegue dizer mais do que sabe.
Os poetas fazem parte de um gênero de humanos que às vezes consegue dizer mais do que sabe. A Musa se apodera deles, diriam os antigos. Fato é que às vezes, mesmo nas palavras de um autor moderno como o caribenho de língua inglesa Derek Walcott, Prêmio Nobel de Literatura de 1992, entreveem-se fragmentos de um conhecimento mais antigo, quase esquecido. Por exemplo, no tema do espelho. Ou na alusão à presença do homem interior sob as aparências do exterior. Ou na simbologia do pão e do vinho, bem conhecida em várias liturgias, não apenas a católica. Tudo isso está presente no poema Amor após Amor de Walcott, que de resto manifesta-se como cidadão contemporâneo, com o mesmo nível médio de saberes e ignorâncias. Naturalmente isso torna o poema não menos, mas mais interessante, pois remete à ancestral recomendação de jamais escrever, por assim dizer, sozinho. Mas chega de insinuações. Ouçamos, em tradução deste apresentador, os versos de Amor após Amor...
Derek Walcott
Amor após Amor
tradução de Fabio Malavoglia
Love after Love
The time will come
when, with elation
you will greet yourself arriving
at your own door, in your own mirror
and each will smile at the other's welcome,
and say, sit here. Eat.
You will love again the stranger who was your self.
Give wine. Give bread. Give back your heart
to itself, to the stranger who has loved you
all your life, whom you ignored
for another, who knows you by heart.
Take down the love letters from the bookshelf,
the photographs, the desperate notes,
peel your own image from the mirror.
Sit. Feast on your life.
Amor após Amor
Virá o tempo
em que, com êxtase
você saudará a si mesmo chegando
na tua própria porta, no teu próprio espelho
e cada um dará o sorriso de boas vindas ao outro,
e dirá, sente aqui. Coma.
Você amará de novo o estranho que era você.
Dê-lhe vinho. Dê-lhe pão. Dê teu coração de volta
ao coração, ao estranho que te amou
toda tua vida, a quem você trocou
por outro, aquele que conhece teu coração.
Jogue fora as cartas de amor na prateleira,
as fotografias, os bilhetes desesperados,
limpe tua própria imagem do espelho.
Sente. É festa na tua vida.
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