Daniel Faria (1971 – 1999)
Quando morreu precocemente, aos 28 de idade, em 1999, o monge e poeta português Daniel Faria estava nos retoques finais de seu sexto livro, então praticamente terminado, e que se chamaria Dos Líquidos. Tinha chegado a uma depuração de sua linguagem, onde as vocações monástica e literária confluíam. Ele sentia que os poemas reunidos naquela última coletânea já não procediam do sabido ou do experimentado, mas de um mistério que estava abrindo caminho nele, poeta, como aprendiz da contemplação. Assim, em algum momento, passou-lhe pela cabeça intitular o livro Das coisas que sei do céu. Por fim decidiu-se por Dos Líquidos, pois estes são fundamentais para a vida e o livro faz uma espécie de classificação ascendente, começando pela água dos rios, dos mares e das nuvens, fundamento de toda a vida; depois a saliva, que misteriosamente cura a cegueira, e seguindo adiante, até o miraculoso sangue do cordeiro. O livro dos Líquidos já apareceu em edição bilíngue na Espanha, onde Daniel Faria é considerado uma das vozes mais surpreendentes da poesia portuguesa mais recente. Desta coletânea ouviremos a seguir o poema chamado Portanto farei uma escada no coração.
Daniel Faria
Portanto farei uma escada no coração
Portanto farei uma escada no coração
E pelos degraus subirei da minha casa
Até bater com o pensamento no altíssimo
Apagarei os passos e o cérebro como um rasto no deserto
Sempre atento como a águia quando fixa o sol
Sem pestanejar.
Farei portanto a escada no deserto para fixar
A luz.
Da minha casa subirei sem palavra
Em silêncio, portanto, pisando o coração.
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