Calderón de La Barca (1600 – 1681)
Entre as muitas comédias do dramaturgo, soldado e poeta espanhol do século XVII, Pedro Calderón de La Barca, uma das mais curiosas é “O José das mulheres”, título extravagante, que conta estranha história. Em Alexandria, no Egito, durante o século III de nossa era, a bela dama Eugenia, cujo nome significa “de bom nascimento”, se veste como homem para enganar seu pai e seguir em seus estudos espirituais. Outra mulher, porém, se apaixona por ela e, ante a recusa de Eugenia, imaginando tratar-se de um homem, acusa-a de violação. Dá para notar que a trama é muito semelhante à história bíblica de José no Egito, acusado de forma e por causa muito semelhante pela mulher de Putifar. Daí o título da obra, “O José das mulheres”, que seria Eugenia. Outro detalhe curioso é que um dos pretendentes dela, Aurélio, morre em duelo e o diabo entra no corpo do defunto para tentar desencaminhar a boa moça. É na boca desse personagem que Calderón de La Barca coloca o soneto que ouviremos a seguir, em tradução deste apresentador. O tema é um triângulo amoroso entre um tal Lício, que teima em cortejar a pouco confiável Lisis, e o poeta amigo que narra o caso.
Calderón de La Barca
de “O José das mulheres”
tradução de Fabio Malavoglia
“Licio, ¿la obstinación de tu porfía,
mariposa solícita del daño,
morir quiere a la luz del desengaño?
Tuyo es la culpa, la obediencia mía.
Mucho fía de sí quien de sí fía.
Sabe que Lisis con traidor engaño
memorias ya de un año y otro año
en los olvidos sepultó de un día.”
“¡Oh cuánto avaro está el dolor contigo,
pues aún la queja no se atreve a dalla
de mí, de Lisis, ni de ti tampoco!
Que tú celoso, ella mujer, yo amigo,
nos halla disculpados, pues nos halla
a mí fiel, a ella fácil, y a ti loco.”
“Lício, a obstinação da teimosia,
tua mariposa solícita do dano,
quer morrer à luz do desengano?
Tua é a culpa, e eu obedecia.
Muito fia quem de si mesmo fia.
Sabes que Lisis com traidor engano
as memórias de um ano e outro ano
já sepultou num esquecido dia.”
“Ah como avarenta é a dor contigo,
que sua queixa ainda não nos tacha
a mim, a Lisis, nem a ti tampouco!
Que tu ciumento, ela mulher, eu amigo,
nos acha desculpados, pois nos acha
a mim fiel, a ela fácil, e a ti louco.”
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