Paulistas e Cariocas se enfrentam nas ruas de São Paulo
O trânsito em São Paulo é um caos.
Desde o final dos anos 20 os paulistanos repetem isso, embora naqueles tempos o número de veículos circulando pelas ruas da cidade fosse ridiculamente pequeno comparado ao de hoje. Mas os paulistanos reclamavam! Como a cidade era muito concentrada e praticamente todo o movimento diário era dirigido para o Centro, os congestionamentos de fato eram grandes e um paulistano comum nos anos 50 - se fosse pobre e morasse longe - podia perfeitamente levar duas horas para chegar em casa depois de um dia de trabalho. Mesmo a classe média tinha dificuldades, porque havia poucas ruas estreitas e um número ínfimo de avenidas para entrar e sair do Centro. As grandes avenidas da cidade, como a 23 de maio, a Radial Leste, as Marginais. só foram construídas no fim dos anos 60 e começo dos 70.
Para resolver de vez o problema o governador Abreu Sodré, em 1967, resolveu adotar uma solução radical. Sim, o governador, porque naquele tempo o trânsito era controlado pelo DST, um órgão estadual. A “solução radical” foi chamar um carioca, o coronel Américo Fontenelle, que tinha fama de fazer milagres e havia organizado o trânsito do Rio de Janeiro no governo Carlos Lacerda.
Chamar um carioca para colocar ordem em São Paulo não era, naqueles tempos, uma medida simples. A rivalidade entre Rio e São Paulo corria solta e havia farpas trocadas de lado a lado. Até Vinicius de Moraes soltou a frase célebre que dizia que São Paulo era o túmulo do samba e Nelson Rodrigues escreveu numa crônica – reza a lenda - que não havia solidão pior que a companhia de um paulista.
Nesse clima o coronel chegou a São Paulo. E de fato tentou pôr ordem no trânsito, criando rotas obrigatórias de circulação e bolsões de estacionamento para que os motoristas deixassem os carros e entrassem no Centro a pé. A reação foi brutal. O trânsito virou assunto de todos e os debates ficaram cada dia mais inflamados.
O coronel não teve a habilidade de implantar as mudanças aos poucos. Pelo contrário, tinha pressa e fez tudo de uma vez. A população que já não simpatizava com ele, não conseguiu absorver tudo de imediato e a cidade virou um caos. A imprensa bombardeava o governo todos os dias. Num famoso programa de televisão, o coronel teve a ingenuidade de participar e enfrentar a deputada Conceição da Costa Neves, famosa pelos destemperos verbais. A deputada gritou e humilhou o coronel ao vivo pela televisão e ele não tinha como reagir porque afinal, embora desbocada e agressiva, a deputada era uma senhora e ninguém gritaria ou insultaria uma senhora ao vivo pela TV.
Depois de poucos meses o coronel Fontenelle acabou demitido. Mas muitas das suas ideias foram discretamente incorporadas ao cotidiano da cidade. A restrição de veículos nas ruas centrais deu origem aos calçadões, o anel de circulação em torno do centro existe até hoje e muitas outras.
Mas o que mais pesou contra ele foi o boato, nunca confirmado, de que ele havia dito que iria “baixar a crista dos paulistas”. Os paulistanos eram capazes de aceitar ficar horas num congestionamento, mas aguentar insultos de um carioca, isso nunca!
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