O mais romântico dos compositores
Dizer que ele foi o menos romântico dos artistas pode chocar à primeira vista, mas talvez esta seja a melhor maneira de definir a postura de Frédéric Chopin como compositor. Mas, grita o senso comum, o autor dos “Estudos” e dos “Prelúdios”, das “Valsas” e das “Mazurcas”, sem falar das “Polonaises” e dos sublimes “Scherzos” e “Baladas”, não foi justamente o protótipo do artista romântico? Morreu aos 39 anos de tuberculose, considerava-se fora do mundo, não suportava tocar em público. No finalzinho da vida, perguntava-se romanticamente: “Para onde foi minha arte?”
Esta é a grande contradição que faz de Chopin um dos compositores mais enigmáticos e geniais da história da música. Típico criador de música de salão, transformou o que seria mero passatempo sonoro para as elites em música de elevadíssima qualidade; avesso aos recitais e concertos públicos, apresentou-se como pianista e compositor apenas três vezes durante os dezoito anos em que viveu em Paris, sobrevivendo basicamente de aulas de piano e com a edição de suas obras. Sua fragilidade física, a intensidade emocional de sua música e sua própria história de vida, por outro lado, fazem dele o paradigma do artista romântico e “a figura mais representativa de um certo romantismo ao mesmo tempo arrebatado e doce, tumultuoso e efeminado”, segundo o pesquisador francês Dominique Bosseur.
O compositor deste mês tem a imagem de “anjo” do compositor, figura franzina de nariz adunco, pouco mais de 1 metro e meio de altura e econômicos 45 quilos de peso. Saiu de Varsóvia no dia 2 de novembro de 1830 e 27 dias depois explodiu a revolta nacional polonesa contra os russos – ele até considerou dar meia-volta, mas acabou seguindo em frente para Paris, onde radicou-se em definitivo aos 21 anos porque Varsóvia foi derrotada pelos cossacos russos em 1831.
Subsistiu dando aulas de piano a 20 francos – “um assalto quando se é um mero professor”, afirmou Robert Schumann, “mas uma pechincha quando se trata de um gênio”. Curiosamente, dois anos depois, quando o czar concedeu anistia a todos os exilados, Chopin nem pensou em retornar a Varsóvia. Curtiu um exílio profissional. Era patriota, mas o ambiente artístico e musical de Paris lhe era vital. Assim, ao contrário do que reza a lenda romântica, apresentando-o sempre como o grande patriota polonês consumido pelo sofrimento de seu povo que, sem poder retornar a seu país, exprimiu sentimentos cívicos com suas polonaises. Seu patriotismo era praticamente simbólico. Tanto que nem recebeu em Paris o militante poeta Adam Mickiewicz (1798-1855), que o xingou de “vampiro moral”.
Em 1836, conheceu a escritora feminista George Sand, que não só adotou nome masculino como se vestia com roupas masculinas. Dois anos depois formavam um estranho casal: ele, franzino, frágil, delicado; ela, despachada, até fumava em público, para desespero e horror da elite tradicionalista parisiense.
Ficaram juntos por quase dez anos, até 1847, quando Sand publicou o romance “Lucrezia Floriani”. Era praticamente um relato de sua vida com Chopin. Esta exposição pública de sua vida íntima levou o compositor ao rompimento. Este foi o período emocionalmente mais conturbado da vida do compositor – e também o mais fértil em criações que o consolidaram como o grande arquiteto do piano moderno. Na temporada que o casal passou na ilha de Maiorca, em 1838, nasceram os incríveis 24 prelúdios opus 28, tão importantes para o piano moderno quanto os 48 prelúdios e fugas do “Cravo Bem Temperado” de Bach foram para os séculos 18/19 (Chopin, aliás, levou apenas uma partitura de terceiros para Maiorca: o “Cravo”).
Parece que seu destino era mesmo fugir das revoluções. Quando começaram as primeiras escaramuças da Revolução de fevereiro de 1848 em Paris, Chopin viajou para Londres, onde foi bem recebido, mas o clima da cidade lhe fez muito mal (seu estado de saúde já era muito precário). Retornou a Paris no inverno de julho-agosto, financeiramente arruinado. Não compunha mais. A tuberculose estava muito avançada. Suas últimas criações foram as mazurcas em sol menor no. 2, opus 67 e em fá maior no. 4, op. 68.
Finalmente alguém de sua família veio a Paris. Sua irmã Luísa velou suas últimas semanas de vida, até sua morte nos primeiros minutos depois da meia-noite, em 17 de outubro de 1849. Foi enterrado no Cemitério de Père Lachaise, em Paris. Um ou dois dias antes de morrer, anotou num bloco: “Se esta tosse me sufocar, imploro que abram meu corpo para que eu não seja enterrado vivo”. Não só abriram-lhe o corpo como retiraram-lhe o coração, que sua irmã Luísa levou até Varsóvia, onde foi enterrado no átrio da Igreja de Santa Cruz de Varsóvia.
Durante este mês vamos passear por sua maravilhosa obra pianística, mostrando diariamente, no Rádio Metrópolis e no Tarde Cultura, as múltiplas faces de seu talento.
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