Um olho no mercado, outro no futuro. Sem limites.
Quem foi realmente Franz Liszt? O diabólico popstar “avant la lettre” do século 19, que enfeitiçava multidões com seu pianismo, um incorrigível rabo-de-saia? O compositor que não fazia distinção entre a chamada grande música e a música de entretenimento? Ou o abade que morou no Vaticano em seus anos finais, e era regularmente visitado pelo papa, que queria ouvi-lo tocar suas composições sacras?
Todos eles, com certeza. Numa carta a Carolyne, sua companheira por quatro décadas, ele confessou que “minha única ambição como músico sempre foi, e deveria mesmo ser, projetar minha lança no futuro sem limites...” Isso ele fez com maestria. Inaugurou a era dos superstars que até hoje constituem as colunas mestras das músicas populares; não por acaso, mais de metade de suas 700 obras são transcrições e arranjos de músicas de terceiros, fossem elas as sinfonias de Beethoven ou as árias da moda. Batalhou incansavelmente pela música nova, a música do futuro, incentivando Wagner mesmo quando este seduziu sua filha Cosima, provocando a separação dela com o marido, o maestro Hans von Büllow, seu aluno dileto; e compôs em seu período final música sacra original e de alta qualidade, infelizmente pouco ouvida hoje em dia.
Qualificado como idealista e oportunista ao mesmo tempo, o pianista e compositor húngaro encarna como ninguém a figura do empreendedor: “Ele sabia servir a diferentes patrões e públicos com competência. Desenvolveu públicos cativos entre o povo em geral e a intelligentsia; adotava alternadamente os figurinos da aristocracia e os da burguesia”, anota o historiador William Weber em “A transformação do gosto musical”. Outro pesquisador, David Gramit, da Universidade de Alberta, no Canadá, acrescenta que não há um mas vários Liszt: “Nele combinam-se maravilhosamente duas de suas construções empresariais: a do intérprete diabólico e a do compositor de vanguarda que apoiou firmemente os projetos mirabolantes de Richard Wagner”.
Conhecido hoje do grande público pelas Rapsódias Húngaras para piano, Liszt é muito mais do que isso. No ensaio “Música para transportar o ouvinte”, do livro “The Piano Roles” (Editora da Universidade de Yale, 2000), o pesquisador James Parakilas observa que Liszt “foi o primeiro a entender que a performance é uma poderosa forma de comunicação; por isso não tinha escrúpulos em misturar obras originais suas e de outros compositores com ‘covers’ das árias de óperas mais populares em seu tempo”. Por covers entenda-se: improvisos, variações e paráfrases sobre estas melodias populares. “Nessa altura”, detecta Weber, “o limite entre a música como profissão e a música como negócio deixa de existir na carreira dos músicos mais bem-sucedidos”.
Atualíssimo. Você vai conhecer este mês um pouco mais da obra de Liszt, que ora aponta para o entretenimento, ora para a vanguarda.
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