E sua música essencialmente britânica
Saudado como o primeiro grande compositor inglês a firmar-se ultrapassar as fronteiras de seu país, em termos de reconhecimento público, na passagem dos séculos 19 e 20, Edward Elgar liderou o que se convencionou chamar de “renascimento” da música britânica, entre 1880 e 1920. Suas sinfônicas “Variações Egnima”, de 1899, e o oratório “O Sonho de Gerontius”, do ano seguinte, concederam-lhe, da noite para o dia, reputação internacional.
Gustav Holst, seu contemporâneo, afirmou logo após assistir às Variações Enigma: “Música como esta não surgia neste país desde a morte de Henry Purcell”. Imaginem que Purcell morrera em 1695. De fato, desde o século 17, com Purcell, a Inglaterra não possuía um compositor efetivamente nacional de grande renome. O país em que floresceu a mais intensa vida musical européia no século 19 não produziu sequer um criador de primeira linha durante dois séculos. Elgar, de certo modo, apanha o bastão diretamente do elisabetano Purcell, num arco histórico de dois séculos (Purcell nasceu em 1659, Elgar em 1857).
Os ingleses o colocam, com igual importância, ao lado de contemporâneos europeus ilustres, como Richard Strauss e Gustav Mahler. Exagero evidente. Mas isso se deve, sem dúvida, à imensa satisfação de assistir ao surgimento e consolidação de um grande compositor em sua terra, capaz de escrever um oratório tão bom quanto os de Haendel (o compositor alemão do século 18 oficialmente “adotado” pelos ingleses), fazer música orquestral de excelente fatura, embora conservadora; e ainda mergulhar nas raízes populares do país para dali extrair melodias que se tornaram populares em todo mundo (caso das marchas “Pompa e Circunstância”).
Elgar foi o músico que melhor representou os derradeiros momentos de esplendor do Império Britânico. Sua música, de fato, exibe um caráter nacional muito forte, adquirido graças ao mergulho efetivo que ele faz nas paisagens, canções e no perfume do campo inglês. Onde, aliás, ele nasceu, na pequena Broadheath, próximo de Worcester, no centro geográfico do país, em 2 de junho de 1857 numa família de baixa classe média. Seu pai tinha uma loja de música em Worcester e também era afinador de pianos.
Ele jamais foi menino-prodígio, progrediu lentamente. Em compensação, adquiriu excelente domínio do contraponto e harmonia, aperfeiçoados por meio de exercícios como, por exemplo, o de compor uma obra sacra a partir de elementos das sinfonias de Beethoven, ou um fragmento orquestral baseado na Sinfonia em sol menor de Mozart.
A noite mais importante da vida de Elgar aconteceu em 19 de junho de 1899 no St. James Hall, quando o maestro Hans Richter regeu a estréia mundial das “Variações Enigma”, uma obra composta de um tema muito simples e catorze variações que levam iniciais ou pseudônimos de amigos e parentes do compositor.
As Variações e O Sonho de Gerontius constituem a base da reputação internacional de Elgar e impulsionaram suas turnês à Alemanha, outros países europeus e aos Estados Unidos na primeira década do século 20.
Foi o clímax de sua capacidade criativa. Num arco de pouco menos de vinte anos, compôs duas sinfonias, dois concertos (incluindo o célebre, para violoncelo), uma obra-prima de música de programa, o Falstaff, três importantes obras de música de câmara (entre elas, o quarteto de cordas em mi menor op. 83 e o quinteto para piano e cordas em lá menor opus 84) e a cantata The Music Makers. Isso sem contar as obras patrióticas corais durante a Primeira Guerra Mundial de 1914-18.
O colapso sofrido em 8 de abril de 1916, durante uma viagem de trem, determinou-lhe um novo ritmo de vida, em definitivo transformada com a morte de sua mulher Caroline quatro anos depois.
Os ingleses costumam argumentar que em seus catorze anos finais de vida Elgar ainda teve forças para compor obras substanciais como as transcrições de peças de Bach e as suítes Severn e Nursery; relembram até a quinta marcha da série Pompa e Circunstância. Mas o fato é que o compositor dirigiu todas as suas forças muito mais para a reprodução do que para novas criações.
Ele já havia gravado precariamente antes da guerra, mas a partir dos anos 20 intensificou seu envolvimento com os discos, a ponto de ser hoje o compositor de sua geração com maior legado gravado.
Morreu em 23 de fevereiro de 1934, mais convicto do que nunca de que, como disse numa aula magna dada em Birmingham, “o único futuro da música inglesa é aquele que brota de seu próprio solo, algo nobre, robusto e espiritual”. Um nacionalismo presente em cada nota musical que colocou no papel – e que construiu sua glória.
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