O francês apaixonado pelo Brasil
O nome de Darius Milhaud, o compositor deste mês na Cultura FM, está eternamente ligado ao Brasil. Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, entre 1917 e 1919, como secretário do embaixador francês Paul Claudel, ele demonstrou todas as suas qualidades de um compositor inclusivo, aberto a todas as linguagens musicais. E isso aos 25 anos, pois nascera em Marselha em 4 de setembro de 1892. Logo que chegou, em fevereiro de 1917, tomou um susto ao ouvir uma obra de Glauco Velásquez, que morrera cinco anos antes.
Examinou os manuscritos de várias obras de Velásquez, incluindo o trio para piano e cordas no. 4, inacabado, que se propôs a concluir. Gostou particularmente do trio no. 2, até hoje considerado obra-prima por quem o conhece bem. Dois meses depois, em abril, fez uma conferência sobre Velásquez e tocou com Luciano Gallet ao piano a sonata no. 2 para violino e o trio no. 2 com Alfredo Gomes ao violoncelo (a conferência foi publicada dais depois no Jornal do Commercio, e no original francês!). No ano seguinte, Milhaud apresentaria em concerto o trio no.4 por ele completado.
O crítico francês Claude Rostand enfatiza o tempo todo sua generosidade durante as dezoito deliciosas entrevistas que fez com ele em 1952, disponíveis em português em edição da Perspectiva com o título “Darius Milhaud: em Pauta”. Quem lê este livro constata que Milhaud é muito parecido com um de seus ídolos musicais, o compositor alemão Paul Hindemith. A certa altura, ele diz: “Tenho grande admiração por Hindemith. Paul é um sábio, um grande mestre, um pensador que se deu bem em todos os gêneros, mesmo naquele tão difícil da música para amadores”. Esta fala de Milhaud está no sexto encontro, em que ele espinafra Brahms e Wagner. Não inclui entre seus ídolos, mas bem que poderia, o nome de Telemann. Como Hindemith, Milhaud compunha música menos complicada, mais fácil de tocar e de ouvir. Era inclusivo como Telemann, o músico que dominou a música alemã no século 18 escrevia no estilo de qualquer país europeu – e até não-europeu.
Adorava viajar: “O artista precisa viajar, precisa das mudanças ocasionadas pelas viagens. É necessário sair de seu meio, de seu país, ver outras caras, outras civilizações, outros costumes, outras línguas, procurar enriquecer e renovar seu cenário. E diria mais, não basta ao artista uma mudança passageira apenas, turismo, é preciso viver a vida de outros povos, sair de sua própria vida, mudar totalmente”.
E como ele aproveitou suas viagens. Passou pelo Brasil e compôs obras-primas que incorporavam a riqueza da música popular brasileira, em “Saudades do Brasil” e em “O Boi no Telhado”. Depois, no exílio forçado nos Estados Unidos, também emulou o jazz e fez até música regional, como em “Kentuckiana”. E em sua França, ah, na França ele retratou muitas vezes as incríveis paisagens da Provence, onde nasceu. Fez sua versão das quatro estações na Provence em quatro deliciosos concertinos para pequenas formações orquestrais.
Era omnívero – perdoem o palavrão. Significa apenas que ele era uma esponja auditiva, captava tudo ao seu redor e em suas viagens e devolvia suas impressões em música. Escreveu concertos colocando como solistas a gaita de boca, a marimba e o vibrafone, além de uma sonata para ondas martenot, o instrumento eletrônico inventado em 1928 na França.
O exemplo mais radical de sua liberdade criativa é este: em 1915, visitou uma exposição de máquinas agrícolas. Levou o catálogo para casa. Achou tão interessante que em 1919 fez um pequeno ciclo de canções sobre elas, usando os textos do folheto promocional. Todo mundo pensou que era brincadeira. E o ciclo ficou inédito até poucos anos atrás. Mas ele compôs “Machines Agricoles opus 56” a sério, usou até a mesma instrumentação do célebre “Pierrot Lunaire” de Schoenberg, estreado apenas sete anos antes, em 1912.
Possuía uma facilidade incrível para compor: escreveu 18 quartetos de cordas, 12 sinfonias (fora as de câmara) e 25 concertos para instrumentos variados.
Durante este mês vamos conhecer melhor também sua grande sacada, a da politonalidade que tanto encantou seu aluno norte-americano, o pianista de jazz Dave Brubeck, que ele explicou assim: “Descobri um pequeno cânone de Bach, um pequeno dueto em cânone, no qual a parte superior aparece muito nitidamente em ré menor e a parte inferior em lá menor. Isso me interessou particularmente, já que em certos compositores como Charles Koechlin [com quem ele estudou] e Stravinski eu já havia notado o uso de acordes contendo várias tonalidades”.
Este gosto pela acessibilidade deve-se à sua participação decisiva no Grupo dos Seis parisiense nos anos 1920: este ecletismo e fertilidade que caracterizam sua música como a um só tempo acessível e muito bem construída é resultado de uma postura de seis jovens compositores franceses nos anos 1920: simultaneamente contra o tsunami do wagnerismo e opondo-se ao impressionismo de Ravel e Debussy.
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