A música extraordinária do gênio de Salzburgo
Wolfgang Amadeus Mozart viveu apenas 35 anos, entre 1756 e 1791. Nasceu em Salzburgo, mas viveu sua última década fazendo muita música em Viena, capital do Império Austro-Húngaro. Não agia como o iluminado gênio romântico que deixava a inspiração baixar das alturas nem sofria em busca da perfeição. Ao contrário, Mozart escrevia música atendendo à demanda.
Já se repetiu bastante que, como não conquistou emprego fixo junto à corte nem à nobreza vienense, foi o primeiro artista que esgrimiu com as regras desta famosa entidade chamada “mercado”. O sociólogo alemão Norbert Elias, autor de um excelente livro chamado “Mozart – sociologia de um gênio” (Ed. Zahar), diz que a grande contradição vivida pelo compositor é que ele “dependia materialmente da aristocracia de corte, quando já tinha se constituído como artista autônomo que primariamente buscava seguir o fluxo de sua própria imaginação e os ditames de sua própria consciência artística”. Tudo bem com encomendas de endereço certo e sabido; o desafio eram as obras que jogou para consumo do mercado. Mozart ia muito bem quando atendia a encomendas específicas como as duas obras-primas finais para clarinete (o quinteto e o concerto).
O molho desandava, porém, quando o autor da encomenda era indefinido. Por exemplo, ele usou boa parte de seus 27 concertos para piano para bancar concertos de subscrição (tais eventos eram anunciados como matéria paga nos jornais e os interessados compravam antecipadamente “ingressos”). Quebrou a cara na maior parte das vezes porque acabava dando livre trânsito ao que Elias qualifica como “fluxo-fantasia” e esquecia de agradar ao público anônimo.
O mesmo se pode dizer, por exemplo, a respeito da dificuldade de agradar a públicos diferentes. Na célebre cena do jantar com o comendador, em “Don Giovanni”, Mozart colocou o personagem-título agindo como um DJ atualíssimo, que pede, um a um, ao grupo de músicos, os “hits” do momento – sucessos populares em Praga, bem entendido, cidade onde a ópera estreou. Quando foi apresentada em Viena, o público detestou aquele pot-pourri de canções desconhecidas. Mas talvez no período final Mozart tenha de fato decidido abandonar a idéia de agradar ao mercado: suas últimas três sinfonias – as grandes – não resultaram de nenhuma encomenda. Foram escritas por necessidade criativa, sem nenhuma amarra a nenhum cliente.
Um parêntese que nos ajuda a entender melhor o universo musical de Mozart: o manuscrito do “Concerto para Piano e Orquestra no. 26, K. 537” registra, nos oito primeiros compassos do Larghetto, na parte do piano solista, apenas a melodia da mão direita. Não há acompanhamento algum na mão esquerda. É que, quando compunha para ele mesmo tocar, Mozart não costumava preencher a parte do acompanhamento; improvisava no calor da hora (e ele era mestre consumado nisso). Pois o primeiro editor póstumo tascou um acompanhamento canhestro e medíocre, convencional, na mão esquerda ( “basso Alberti”). Hoje, o establishment musical e os músicos respeitam estas notas apócrifas como se fossem sagradamente saídas da pena de Mozart. É que, ao contrário de nós, que enxergamos as obras musicais como entidades sagradas e intocáveis, até o século 18 – e não apenas Mozart – encaravam-se essas obras com trivialidade. Eram adornos das salas da aristocracia, resultado do trabalho de meros artesãos, como as cadeiras ricamente trabalhadas ou os tapetes. Objetos meramente utilitários, portanto. Marceneiros, carpinteiros, músicos – todos estavam nivelados. O detalhe é que os músicos tinham que se vestir bem e se portar adequadamente, porque eram adornos vivos dos salões seletos.
Prova inconteste da importância de Mozart na vida musical do planeta é que seria possível preencher o mês inteiro – no Rádio Metrópolis e no Tarde Cultura – apenas com performances recentíssimas de obras de Mozart pinçadas no rico catálogo da União das Rádios Europeias, sempre captadas ao vivo. Uma exclusividade da Cultura FM.
No ar de segunda a sexta-feira dentro do Rádiometrópolis (9h) e Tarde Cultura (15h)
Apresentação: João Marcos Coelho
Produção: Bruno Lombizani
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