Autor de música e letra de mais de 800 canções
Contam-se nos dedos os nomes dos compositores populares de gênio efetivo. Aqueles que conseguem produzir, em quantidade e qualidade, as canções, verdadeiras cápsulas musicais que constituem paradigmas de criação e capacidade de empatia instantânea com o público.
Um seletíssimo grupo concentrou-se entre os anos 10 e os 50 do século passado nos Estados Unidos. Um punhado de iluminados, que incluiu os irmãos George e Ira Gershwin (este também parceiro de Kurt Weill), Irving Berlin, Jerome Kern, Richard Rodgers e seus parceiros sucessivos Lorenz Hart e Oskar Hammerstein II. Um painel no qual Tom Jobim não destoaria.
Deixei de fora desta lista, de propósito, o nome talvez mais estelar, tão bom letrista quanto compositor: Cole Porter (1891-1964). Ele é o compositor deste mês na Cultura FM.
Ele bem que poderia ter sido um personagem da era do jazz tão bem descrita por Scott Fitzgerald. Fez de sua vida de 73 anos uma festa permanente. Mudavam as paisagens, da Broadway a Paris, de Hollywod a Tin Pan Alley, em Nova York. Cole Porter foi mais que personagem. Foi o gênio completo de seu tempo. Escreveu letra e música de 800 canções. Ao menos uma centena delas é ouro puro. Era a estrela de mais intenso brilho na incrível constelação de grandes compositores populares da era dourada da música popular norte-americana, entre os anos 20 e os 50 do século passado. Os demais astros atendiam por George Gershwin, Jerome Kern e Irving Berlin, entre outros geniais “songwriters”.
Canções como “What is this thing called love”, “Night and Day”, “Love for Sale”, “Let’s Do It, Let’s Fall in Love”, “You’re the Top”, “Anything goes”, “Begin the Beguine”, “Just One of Those Things” e a comovente “Ev’ry Time We Say Goodbye” permanecem atualíssimas, mais de meio século após sua morte, aos 73 anos, em 15 de outubro de 1964.
Mas qual é o segredo do talento único de Cole Porter? Em seu livro “American popular song, the great innovators, 1900-1950” (Ed. Oxford, 1975), Alec Wilder diz que é uma ironia ele ser mais exaltado como letrista do que como músico, já que é um dos poucos a ter uma sólida formação musical. Afinal, estudou em Harvard e também na veneranda Schola Cantorum de Paris. Chegou a compor música para os balés suecos, uma contrafação dos Balés russos de Diaghilev: “Within the Quota”, por sinal, estreou em 1923 em Paris, dividindo o programa com – imaginem -- “A Criação do Mundo”, de Darius Milhaud.
Cinco anos depois do début no grand monde parisiense, ele barbarizou na Broadway com sua primeira canção de sucesso, “Let’s do it”, “um catálogo sem fim de promiscuidade zoológica”, na gongórica expressão de David Schiff. Schiff é meio mala, mas explica bem o segredo de Porter. Este quebrou as regras pétreas do gênero, ao compor música complexa e letras refinadas. “Embora você não perceba”, diz Schiff, “a melodia é altamente cromática e a harmonia mistura o tempo todo os modos maior e menor, remetendo a Schumann e Brahms”. Em suma, “soa como uma simples canção – mas tente encontrar as notas e os acordes no piano”, desafia.
Outro exemplo matador é “Night and Day”, de 1934. Porter tinha de compor uma canção para a voz pequenininha de Fred Astaire, com apenas uma oitava e meia de extensão, e com notas repetidas para facilitar. Ele capturou o mote num almoço em dia chuvoso. Alguém reclamou: “That drip, drip, drip is driving me crazy”. algo como estas gotas estão me deixando louco. Acho que funciona, disse Porter. Acrescentou o “tick,tick,tick” do relógio e o “beat-beat-beat” do tom-tom. Os duplos sentidos, as metáforas, a sofisticação dos versos – eram tantas as qualidades dos seus versos, que acabaram soterrando a rara invenção musical.
Durante este mês, os ouvintes da Cultura FM vão reencontrar grandes canções de Porter que já curtiam – e surpreender-se com outras gemas menos badaladas.
No ar de segunda a sexta-feira dentro do Rádiometrópolis (9h) e Tarde Cultura (15h)
Apresentação: João Marcos Coelho
Produção: Bruno Lombizani
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