Você conhece Clara Schumann?
A melhor maneira de homenagear seus 200 anos de nascimento é ouvir sua música.
No próximo dia 13 de setembro Clara Schumann (1819-1896) completaria 200 anos. No rarefeito panteão das grandes compositoras, ela é o ícone mais conhecido. E pelos motivos errados, digamos assim. Sua celebridade deve-se ao romance com o compositor Robert Schumann. A luta contra o pai dela para se casarem, os oito filhos – tudo isso compôs o retrato completo do mito do amor romântico por excelência no século 19. Clara é sempre citada quando o assunto principal é Schumann ou mesmo Johannes Brahms (1833-1897) – o jovem compositor de 20 anos que bateu à porta do casal Schumann em 1853 e foi anunciado por Robert como o grande compositor alemão da segunda metade do século 19. E depois continuou ligado a Clara, ajudando na criação dos filhos do casal.
Isso só quer dizer que Clara aparece sempre nos manuais de história da música de modo secundário. Ora, como as mulheres de hoje em dia, Clara tinha de trabalhar para garantir o sustento da família: dando aulas, fazendo recitais e tocando com orquestras pela Europa.
A verdade é que ela sofreu muito preconceito, refletido nesta reflexão resignada: “Acreditei que tinha talento criativo, mas desisti desta ideia; uma mulher não pode desejar compor – nunca houve nenhuma capaz disso. E eu serei a primeira? Seria arrogância minha acreditar nisso. Meu pai tentou me influenciar neste sentido. Mas eu logo desisti. Que Robert possa sempre compor, isso sempre me fará feliz”.
O fato é que a pressão foi grande demais. Ela jamais foi levada a sério pelos “donos” da vida musical europeia do século 19. Um preconceito que se estende até hoje. Injustiça flagrante, tão vergonhosa quanto a que envolve Fanny Mendelssohn (1805-1847), também citada hoje só quando se fala do seu irmão famoso, Félix.
O bicentenário de seu nascimento pode, surpreendentemente, marcar um momento importante em sua imagem póstuma. Pela primeira vez, vivemos um contexto público no qual as questões de gênero derrubaram preconceitos. Finalmente, começamos a ter a chance de enxergar Clara Schumann como ela deve ser vista e ouvida, sobretudo como compositora. Por isso, ela é a compositora deste mês na Cultura FM.
Um pouco de história. Clara, com 11 anos, conheceu Robert quando este começou a estudar com seu pai Friedrich Wieck, em 1830. A paixão entre Robert e Clara tornou-se visível seis anos depois, a ponto de o professor Wieck proibi-los de se verem. O terminou na justiça: Robert processou Wieck visando obrigá-lo a autorizar o casamento.
Assim, com a bênção dos tribunais, Robert e Clara casaram-se no dia 12 de setembro de 1840. Na véspera, ele ofereceu à noiva uma coroa de “Myrtes” [flores], ou seja, um álbum de manuscritos de 22 lieder amarrados com uma fita de veludo vermelho com esta dedicatória: “À minha Clara amada, na véspera de nosso casamento, de seu Robert”.
Eles mantiveram um “Diário Conjugal” em que ambos escreviam até a internação de Robert, em 1854 (ele morreria dois anos depois num hospital psiquiátrico). Por causa do mau uso de um aparelho destinado a melhorar sua performance ao piano, Robert teve de abandonar a carreira de pianista. Limitou-se à composição. Mas sua mulher continuava curtindo grande sucesso como pianista e era, de fato, quem sustentava a casa. No início de 1842 Clara fez uma turnê por cidades européias. Robert ainda era mais conhecido como crítico musical do que propriamente como compositor. Sentiu isso na carne quando foi excluído do coquetel pós-concerto em homenagem a Clara em Oldemburgo, em 25 de fevereiro. Ela foi sozinha à confraternização.
Ele sentiu o golpe, anotando no diário: “Isso me faz pensar se eu deveria colocar meu talento em segundo plano para servi-la como companheiro de viagem. E ela também, será que deveria abandonar a carreira por causa da minha revista e do meu piano?” Noutra anotação, constatou a “situação indigna” de mero acompanhante da esposa pianista. Solitário, abusou do álcool, teve insônia, entrou em mais uma crise de depressão. O diário funcionou, para ambos, como divã de analista. Ele anotava freneticamente suas sombrias sensações. Clara, por sua vez, passava-lhe pitos severos como este: “A idéia de que você precisa trabalhar por dinheiro é repugnante para mim, porque isso não te deixa feliz, mas não vejo outro jeito de sobrevivermos se você não me deixar trabalhar”. Clara, ao contrário de Robert, gostava da frase de Goethe segundo a qual a vida de casado não é feita só de poesia, mas também de prosa.
A mesma troca do Diário Conjugal também aconteceu musicalmente com frequência. Ora Robert citava temas de peças de Clara, ora era ela quem usava um tema dele para variações. Resumindo: Clara manteve uma carreira intensa como pianista por 61 anos. Mas só compôs basicamente no período pré-Schumann e durante o casamento. Depois da morte dele, em 1856, ela praticamente parou de criar, dedicando-se apenas à carreira de pianista para sustentar a família.
O preconceito limitou-a à prática de gêneros menores, tidos como “femininos”, como a música para piano e camerística, além de canções. Compôs um concerto para piano e orquestra na mesma tonalidade do concerto do marido Robert. Charles Rosen, o dublê de pianista e notável musicólogo, afirma em seu livro “A geração romântica” que “o recalque e a marginalização de Clara Wieck como compositora constituem possivelmente o mais desastroso preconceito do século 19 contra as mulheres compositoras – que infelizmente permanece até hoje”.
Ao longo deste mês, vamos conhecer mais detalhes de sua fascinante vida como pianista, professora e principalmente descobrir sua obra como compositora da melhor maneira Ou seja, ouvindo suas criações musicais.
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