Os 200 anos de Offenbach, gênio da opereta
“Vim ao mundo na cidade de Colônia; no dia de meu nascimento, lembro perfeitamente que me ninavam com melodias. Toquei pouco todo tipo de instrumentos e muito o violoncelo. Cheguei a Paris com 13 anos. Fui admitido no Conservatório como aluno e como violoncelista na Opéra-Comique e mais tarde como maestro no Théätre Français (...) Em sete anos montei umas 50 operetas. Como compositor, comecei com Les Deux Aveugles, as Duas Cegas. Perdoem-me por minha música ter sido tão tocada. Não vou falar a vocês sobre nenhum de meus sucessos, nem de meus fracassos; o sucesso não me deixou confiante assim com os fracassos não me abateram. Tenho, porém, um vício terrível, invencível: trabalhar sempre. Lamento por aqueles que não gostam de minha música, porque morrerei com certeza com uma melodia na ponta da minha caneta”.
Esta é uma curta autobiografia que Jacques Offenbach, o compositor deste mês na cultura FM, escreveu em 1864, a pedido de um jornalista. Ele estava com 45 anos – nascera em 1819 -- e curtindo o maior sucesso com suas operetas sensacionais, cheias de duplo sentido, humor corrosivo e também concebido para sempre soar divertido e banal para driblar a censura imposta por Napoleão III.
Offenbach vivia seu período áureo, que pode ser delimitado entre 1855 e 1867. Apesar de eleito, Napoleão III tentou conciliar a burguesia e o proletariado crescente – uma contradição que desembocou numa ditadura e na censura. O vienense Sigfried Kracauer escreveu em seu livro “Offenbach e a paris de seu tempo” que “a opereta só pôde nascer em uma sociedade que levava uma vida de... opereta”. Ao lado do parceiro libretista Ludovic Halevy, sobrinho do compositor Jacques Halévy, Offenbach deitou e rolou. “Construiu um desnudamento ao mesmo tempo impiedoso e desopilante das bases do regime político e social do segundo império”, escrevem Jean e Brigitte Massin em sua ótima “História da Música”. Ao contrário da opereta vienense, a opereta de Offenbach fazia uma sátira dupla: de um lado, parodiava a ópera, e de outro a sociedade para a qual ela se apresenta como um espelho deformante. Assim, Ba-Ta-Clan ironiza Os Huguenotes de Meyerbeer; Orfeu no Inferno satiriza o Orfeu de Gluck; e La Bèlle Hélène faz o mesmo com Guilherme Tell de Rossini. Offenbach construía o cômico operando o choque entre a banalidade das letras e a grandiloquência da música deslocada de seu contexto original. Nesta última, La Belle Hélène, os governantes roubavam e trapaceavam; em La Grande Duchesse, A Grande Duquesa, militares “estrambóticos e irresponsáveis” faziam planos idiotas de guerra, na expressão de Massin.
De longe, as operetas pareciam hinos ao segundo império. Examinadas de perto, agradavam aos críticos do império. Enfim, todos sentiam que podiam tirar partido delas. Mas também sabiam que viviam o chamado baile da ilha fiscal (se no Brasil estivessem), ou, como alguém diz em La Vie Parisienne: “Locupletar-se enquanto der”.
Ele seria apenas mais um compositor de operetas de segunda classe, não fosse seu instinto musical infalível que Jean e Brigitte Massin comparam ao de Mozart. Em tempo: o casal escreveu um dos mais alentados livros sobre vida e obra de Mozart. Kracauer completa o retrato do compositor: “Nenhuma valsa, nenhuma cançoneta, nenhum galope de suas operetas estavam ali gratuitamente; sempre ocupavam o lugar único que lhes era determinado pela ação”. De novo Massin: “Fazendo rir, Offenbach havia feito cair a máscara de uma dignidade mentirosa e de um poder usurpador; essa autenticidade de intenções dá valor ainda hoje à sua produção teatral e musical – uma centena de operetas”.
Por tudo isso, com a escolha de Offenbach como compositor deste mês, damos a largada nas comemorações em torno da passagem dos 200 anos de seu nascimento, pois ele “veio ao mundo” no dia 20 de junho de 1819.
No ar de segunda a sexta-feira dentro do Rádiometrópolis (9h) e Tarde Cultura (15h)
Apresentação: João Marcos Coelho
Produção: Bruno Lombizani
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