Boccherini viveu décadas na Espanha e absorveu a sensualidade da música popular ibérica
A música inclusiva de Luigi Boccherini
Viver e atuar fora de seu país, de sua terra, é algo historicamente corriqueiro para músicos e compositores. Nos séculos 17 e 18, estas mudanças eram naturais, “felizes”. Haendel trocou a Alemanha pela Inglaterra; o italiano Domenico Scarlatti viveu entre as cortes de Lisboa e Madri; dois outros italianos, Lulli e Boccherini, viveram o primeiro na França, o segundo em Madri. Iam em busca de melhores condições de trabalho. Até adaptaram seus nomes. Por exemplo, Giovanni Battista Lulli virou Jean-Baptiste Lully [1632,Florença-1687,Paris]. A palavra pátria, até o século 19, não tinha ainda o valor que lhe deu a modernidade, a partir da Europa romântica. A pátria ainda não era nação.
Na passagem dos séculos 13 e 14, por exemplo, o poeta Dante Alighieri no exílio podia dizer: “Não voltarei jamais a Florença. Em qualquer lugar posso contemplar os espelhos do sol e das estrelas; em qualquer lugar poderei contemplar as mais doces verdades sob o céu”.
O sentimento do exílio não é função da distância que separa o exilado de seu local de nascimento. Durante muito tempo, os músicos que viveram e morreram longe de seus países não pareciam sofrer com isso.
É verdade que partiram por livre e espontânea vontade, mas isso não explica tudo. A razão é que somente no século 19, com o despertar das nacionalidades, a nação-pátria se torna o objeto de todas as nostalgias – e até mais: “um ideal intangível, uma comunidade sagrada, para não dizer um corpo místico” [na expressão de Étienne Barilier em seu livro recente “Musique et exile”]. É o caso do compositor deste mês na Cultura FM, o italiano de Lucca Luigi Boccherini. Ele nasceu em 1743, mas viveu a maior parte de sua vida fora do seu país, mais precisamente na península ibérica e mais precisamente ainda em Madri, onde morreu em 1805. É no mínimo estranho que, apesar da beleza e da originalidade de sua música, Boccherini seja tão pouco estudado – e menos ainda ouvido. Com exceção, é claro, de seu célebre minueto e do movimento com castanholas de seu quinteto para cordas, que levou o apelido “fandango”.
Sabe-se que seu pai mandou- o a Roma para estudar com um discípulo de Giuseppe Tartini. Entre 1757 e 1764, morou basicamente em Viena. Suas primeiras obras publicadas são música de câmara para cordas – sua emérita especialidade: os seis trios para cordas em 1760 e os seis quartetos de cordas no ano seguinte. Violoncelista virtuose, tocou em Paris, e lá o embaixador da Espanha convidou-o a ir a Madri – onde morou e atuou até a morte em 1805. Quando em 1785 morreu seu protetor, o infante Dom Luís, ele mandou muitas obras ao rei Frederico II da Prússia tentando um novo emprego – mas não foi bem-sucedido. Entre 1786 e 1796 sabe-se pouquíssimo de sua vida. Seu último mecenas foi Lucien Bonaparte, embaixador da França em Madri em 1800 e 1801.
Morreu esquecido e na miséria em Madri em 1805. Os números de sua produção impressionam: 32 sonatas cello e cravo ; 6 sonatas pianoforte e violino; 6 duos para 2 violinos; 18 trios para 2 violinos e violoncelo; 91 quartetos de cordas; 113 quintetos de cordas com 2 violoncelos; 12 quintetos de cordas com 2 violas; 6 quintetos para oboé e cordas; 12 quintetos para flauta e cordas; 6 sextetos de cordas; e 9 sextetos para violino viola, fagote, flauta, trompa e contrabaixo.
As características de sua música mostram que ele assimilou profundamente o riquíssimo folclore espanhol. Ela é ritmada, sensual, e sobretudo os andamentos lentos são de extrema intensidade.
Espanholizou-se tanto que decidiu substituir uma obra espanhola demais no pacote que enviara ao editor parisiense Pleyel : “Você vai encontrar uma [o opus 30] que tem o título ‘Música Noturna nas Ruas de Madri’. Esta peça é absolutamente descartável e até ridícula fora da Espanha, porque o público não vai entender o significado nem os músicos compreenderão como tocá-la corretamente. Por isso, estou mandando no lugar dela uma sinfonia”. Em Madri, chegou a trocar o Luigi original para Luís Boccherini, tamanha sua assimilação à cultura da península ibérica.
No ar de segunda a sexta-feira dentro do Rádiometrópolis (9h) e Tarde Cultura (15h)
Apresentação: João Marcos Coelho
Produção: Bruno Lombizani
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