"Como uma espécie de Erik Satie brasileiro, Gilberto Mendes não se apavorou diante de qualquer postura estética ou tiroteio de ideias"
O século XX musical no Brasil não foi menos conturbado que o de outros países. Com forte cultura popular, quando aqui se descobriu que seria possível levar a música das ruas às salas de concertos, foi uma festa. Nasceu assim uma enorme geração de autores “nacionalistas” deslumbrados com as provocações que vinham do folclore ou das raízes afro.
Quando Koellreutter chegou, no final dos anos 40, jogou um balde de água fria nessa estética “provinciana” e abriu os olhos (ou mentes e ouvidos?) de nossos autores para o que se fazia na vanguarda universal da época. E implantava também uma bula, uma linguagem a ser seguida. No segundo pós-guerra a ordem era ser dodecafonista. A ideia da série expandiu-se a outros parâmetros da composição, a um “pan-serialismo”, e os anos 60 se encarregaram de jogar tudo pelos ares, liberando a criatividade dos autores a seguir caminhos particulares. A maioria de nossos compositores se fixava, em fases especificas, em nichos estéticos. Alguns defendiam a “música de raiz” com unhas e dentes (e até com cartas abertas à nação) e outros achavam que aqui se deveria escrever música com a mesma linguagem usada na Alemanha, Japão ou Suécia. Outros ainda adotavam o principio da demolição, depredando posturas técnico-estéticas estabelecidas. Pessoalmente acompanhei boa parte desses conflitos em toda a segunda metade do século XX, e pude ver como foi traumatizante para muitos autores a necessidade de se fixar neste ou naquele caminho.
Como uma espécie de Erik Satie brasileiro, Gilberto Mendes não se apavorou diante de qualquer postura estética ou tiroteio de ideias e, com o maior bom humor e desprendimento, fez uso do que lhe bem entendesse - de rigorosas series dodecafônicas a happenings explosivos, de obras “conteudísticas” ao mais deslavado deboche, de endosso ao sério Manifesto Música Nova, da rigorosíssima revista Invenção, a um jogo de futebol sinfônico em plena sala de concertos, de professor de universidade nos Estados Unidos a agitador cultural com meios e em locais os mais inusitados, do uso de grafismos misteriosos e particulares a aleatorismos, do uso da super-compacta poesia concreta à cacofonia sonora, do concertão para piano e orquestra a orquestra de ventiladores, xícaras de café e sons gravados, de anarquista a meticuloso organizador do mais importante festival de música contemporânea do Brasil, de apaixonado pelas ruas e praias de Santos às das grandes metrópoles mundiais às quais viaja para ouvir sua música executada por aí afora.
Gilberto Mendes não faz 90 anos, pois sua obra não se situa nesse espaço cronológico de sua vida e sim num abrangente raciocínio cultural universal de nosso tempo.
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Ouça uma das obras mais conhecidas de Gilberto Mendes, o Motet em ré menor (Beba Coca-cola), na interpretação do Coro da Osesp, com regência de Naomi Munakata.
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