Adeus estantes com páginas despencando durante o concerto.
O quarteto de cordas é uma das matrizes históricas da música camerística e normalmente considerado um dos gêneros mais áridos da música de concerto. A fórmula dos dois violinos, viola e violoncelo – que Goethe chamou de "conversa a quatro" – emergiu na segunda metade do século 18 como laboratório preferencial de experimentação. A partir da tríade clássica Haydn-Mozart-Beethoven, responsável por dezenas de obras-primas, deixou de ser assunto de amadores. Virou terreno de profissionais.
Pois é este universo abstrato por excelência que o quarteto norte-americano Borromeo revitaliza transformando seus concertos em acontecimentos tanto sonoros quanto visuais. Eles usam laptops para leitura das partituras, com passagem de páginas feitas em pedais, projeção de manuscritos originais e animações criadas por Nick Kitchen em telão em seus concertos. São duas as questões que se colocam: de um lado, se contribuem ou dispersam a audição; de outro, a moda de se ler as partituras em laptops e notebooks parece estar pegando mesmo na cena internacional.
Fundado em 1989 no New England Conservatory de Boston, o Borromeo é desde então quarteto residente desta que é uma das mais prestigiosas escolas de música dos Estados Unidos. Tem no primeiro violino Nick Kitchen seu porta-voz. Foi ele quem se encantou com a possibilidade de usar a informática, abandonando o uso de partituras de papel, em concertos. Seus três parceiros no Borromeo são asiáticos: Kristopher Tong (segundo violino), Mai Motobuchi (viola) e Yeesun Kim (violoncelo).
Sem rodeios, Nick diz que a ideia nasceu do desejo de tocar a partir das partituras completas. “Você pode ver tudo o que está acontecendo na música a todo momento. Cada elemento simultâneo está lá alinhado em cada página e você pode ver como a música se encaixa. Para poder conter toda esta informação, as partituras sempre têm muitas páginas. A parte que cada intérprete lê só contém a música a partir da qual toca seu instrumento, e tem poucas páginas. Há tanta informação adicional e "insights" que surgem a partir dos elementos que se interrelacionam e fazem a frase funcionar melhor musicalmente. Pode-se notar muitos detalhes novos nas diversas camadas de música cada vez que olhamos para a partitura completa. Mas, na hora de tocar, é difícil virar as páginas de uma partitura completa”.
Será que a interpretação muda mesmo a partir desta nova maneira de ler partituras em concerto? Nick considera que quando todos tocam lendo só as partes individuais de seus instrumentos, um bom tempo dos ensaios é gasto com a pergunta: "O que você tem aí?" Nesse momento, todos fazem anotações nas suas partes. “Estamos acostumados com isso”, raciocina Nick, “mas perde-se tempo. Quando todo mundo lê a partitura total, a pergunta desaparece. Todos vêem o que os demais tocam e instantaneamente entendem o que está acontecendo. É útil nas obras conhecidas, mas fica extraordinário quando se lida com música contemporânea. O processo fica dez vezes mais rápido, no mínimo. Em Beethoven, frequentemente os grupos uniformizam as arcadas e os fraseados. Mas, tocando a partir das partituras, verificamos que Beethoven muitas vezes fez marcações diferentes para cada instrumento. Naturalmente pode-se chegar a este resultado trabalhando só com as partes, mas leva mais tempo. Também foi importante ensaiar com o manuscrito original. Muitas bibliotecas têm estes tesouros em arquivos digitais, podemos acessá-los em versões PDF. Muitas obras-primas podem ser vistas no formato original. Há detalhes reveladores. Haydn, por exemplo, não definiu as articulações, deixando a decisão para os músicos”.
Os que não aderiram às partituras digitais dizem que no mundo do quarteto de cordas quanto mais tempo os integrantes ensaiam e refinam a interpretação é melhor. Assim, o conceito de “ganhar tempo” não faz muito sentido. Nem o de enxergar, na hora do concerto, a grade completa da partitura, podendo ler também o que seus companheiros estão tocando. Ora, dizem, o integrante do quarteto já tem intimidade enorme com a partitura completa – ou então não é profissional, não tem padrões mínimos de qualidade em seu trabalho.
De um jeito ou de outro, a verdade é que ler as partituras em laptops e notebooks deixa no passado aquelas pilhas bagunçadas de partituras despencando da estante. Fica mais clean, convenhamos. Os Borromeo, para quem se interessar, usam laptops porque estes têm uma tela relativamente grande (com telas de 17 polegadas) e um sistema de baterias, mesmo que os aparelhos estejam ligados na tomada.
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