À medida que crescem, as crianças passam para outras orquestras. Entre 4 e 5 anos, estão nas orquestras Baby Haydn e Baby Mahler, onde já tocam em instrumentos de cordas de tamanho pequeno.
O maestro Gustavo Dudamel e a Orquestra Juvenil Simón Bolivar
Já se escreveu muito sobre El Sistema, o maestro Abreu e Gustavo Dudamel como a joia mais reluzente deste projeto incensado no mundo inteiro. Mais do que isso: a experiência foi transplantada e imitada em países tão diferentes como a Inglaterra, os EUA... e o Brasil, claro.
Por que não se colhem resultados tão expressivos fora da Venezuela? A primeira resposta é que ainda não houve tempo para tanto. Outra pode ser que as adaptações desfiguram sua essência.
Acho que descobri – ou ao menos vislumbrei – o segredo de El Sistema. E quero compartilhar isso com vocês. Foi graças a um livro da especialista em educação musical e professora de piano norte-americana Tricia Tunstall, de New Jersey, que decidiu mergulhar de cabeça neste fenômeno. Seu livro intitula-se 'Changing Lives: Gustavo Dudamel, El Sistema, and the Transformative Power of Music', e foi lançado no final de janeiro passado nos Estados Unidos (320 páginas, US$ 17,79, Ed.Norton, também disponível em e-book no kindle por US$ 11,99).
Tricia destrincha o segredo no capítulo 6, 'Being, Not Yet Being – El Sistema in Action'. Ela conheceu bem o Núcleo La Rinconada de El Sistema, na periferia de Caracas. Assustou-se ao entrar numa saleta acanhada e ver escrito na porta: Orquestra Baby Vivaldi. Dentro, crianças de colo de até 2 anos, nos braços de suas mães humildes. “Elas não têm instrumentos nem tocam Vivaldi”, escreve Tricia, “são crianças de colo, que duas vezes por semana vêm ao núcleo: crianças e mães cantam canções folclóricas venezuelanas. A coordenadora Josbel Pulce me diz que “aqui trabalhamos basicamente com a empatia”. Josbel explica que a intenção é reviver a tradição venezuelana de as mães cantarem para seus filhos; isso está se perdendo porque as mães só ouvem música pop. “Por isso estamos ensinando as mães e as crianças. Não queremos que esta tradição se perca. E queremos trazer de volta a tradição de as crianças ouvirem música em primeiro lugar por intermédio das canções de ninar e folclóricas entoadas por suas mães”.
O espanto aumentou em outra sala. Tricia topou com a Orquestra Baby Corelli, com grupos de crianças de 3 anos que vêm ao núcleo diariamente, por uma hora. De novo, o nome não significa que a música de Corelli está sendo ouvida. A intenção é introduzir os nomes dos grandes compositores na vida das crianças desde cedinho, “como nomes e presenças familiares”. Assim, quando crescerem e encontrarem a verdadeira música destes mestres, certamente os verão como velhos amigos. O Sistema também estimula as crianças das zonas rurais, que costumam conviver com animais domésticos, a colocar neles os nomes de Mozart, Beethoven e outros grandes compositores.
À medida que crescem, as crianças passam para outras orquestras. Entre 4 e 5 anos, estão nas orquestras Baby Haydn e Baby Mahler, onde já tocam em instrumentos de cordas de tamanho pequeno. “Cada corda tem o nome de um animal. A sequência, das cordas graves às agudas, é elefante, leão, cachorro e gato. Um professor e quatro monitores acompanham postura, técnica de arco e dedilhado de cada uma das 15 crianças”, conta Josbel. Em La Rinconada há, no total, 200 estudantes, de 2 a 14 anos.
Mas a maior inovação é a "Orquestra de Papel”. Tricia viu isso de perto. Num ginásio, 40 crianças entre 4 e 6 anos estão sentadas com seus instrumentos – de longe, parece uma orquestra de cordas. Exceto que os instrumentos são de papel-machê, pintados e decorados pelas próprias crianças. Boquiaberta, Tricia narra que “Josbel rege ‘la grand orquesta de papel’ numa canção que fala dos instrumentos; quando cantam sobre determinada seção das cordas, seus integrantes seguram bem alto seus ‘instrumentos’. ‘Quando tocam na orquestra de papel’, diz Josbel, ‘as crianças tomam consciência do que é tocar um instrumento numa orquestra, embora sejam pequenos demais para tocar um de verdade’.”
Desde o início, as crianças aprendem também a disciplina da vida em orquestra, “e, mais importante, aprendem a amar um instrumento”, diz Josbel. A sacada da orquestra de papel foi de Susan Siman, violinista. “Se meus filhos gostavam de me ajudar na montagem da árvore de natal, gostaram muito mais de pintar as notas musicais e seus instrumentos de papel”.
Tudo isso sedimenta nas crianças dois princípios fundamentais que mais tarde serão a pedra de toque do fascínio da Orquestra Sinfônica Simon Bolívar e do regente Gustavo Dudamel no mundo inteiro. O primeiro é substituir, desde os bebês de colo, as músicas pop urbanas massificadas de péssima qualidade pelas canções folclóricas que constituem as raízes sonoras da população. O segundo é subverter um preconceito. Hoje em dia, os músicos não querem mais ser “tuttistas” – tuttistas, no jargão dos músicos, são os instrumentistas das orquestras sinfônicas. Todo mundo quer ser solista. Os estudos e os professores martelam nas cabeças dos estudantes a ideia de que só serão bem-sucedidos se forem solistas. O emprego em orquestra é considerado menor, subalterno. Só vale a pena se for bem pago.
No Sistema, inicia-se o trabalho educacional com as crianças sempre em grupo, primeiro ainda bebês ouvindo suas mães cantarolarem melodias folclóricas e canções de ninar. Desde os 3 anos, elas participam das “orquestras de papel” e chamam seus cãezinhos de Mozart ou Beethoven. Quando empunham um instrumento, consideram aquele fato seu objetivo de vida, valorizam a meta, o trabalho em conjunto. O terceiro princípio é que todos aprendem e todos ensinam. À primeira vista, pode parecer meio caótico. Mas o menino de 7 anos violinista ensina, sim, ao parceiro do lado direito determinada posição no instrumento e ao mesmo tempo aprende com outro parceiro, do lado esquerdo, detalhes de afinação. Isso cria uma constante autoconfiança, que será determinante no futuro destes músicos. Ninguém quer ser solista, todos têm como meta de vida tocar em orquestra.
É inevitável concordar com Tricia Tunstall quando ela afirma que “nós, nos Estados Unidos, no século 21, não conseguimos imaginar as conexões potencialmente poderosas entre arte e mudança social”. Nem lá e nem por aqui.
* Adaptei neste artigo um trecho de um ensaio mais longo que escrevi no início deste ano para o jornal “Valor Econômico”.
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Participação da Orquestra Juvenil Simón Bolivar no festival Proms em 2007.
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