Dez anos depois da morte do grande violoncelista russo em 2007, aos 80 anos
No dia 27 deste mês, o violoncelista Mstislav Rostropovich, ou Slava para os amigos, completaria 90 anos. Ele morreu em 27 de abril de 2007, há dez anos. O maior violoncelista da segunda metade do século 20 – na primeira, o cetro fica com o espanhol Pablo Casals – desfruta merecidamente posição única na cena musical. Ele nasceu em 27 de março de 1927 na pequena cidade da Baku, no Azerbaijão,perto do mar Cáspio.
Ao talento único no mundo da música clássica juntou-se a uma fama mundial nos anos 70, quando Slava apoiou o escritor dissidente Alexander Soljenítsin (1918-2008), autor do livro proibido “Arquipélago Gulag” que caiu em desgraça junto aos dirigentes da União Soviética. Por causa disso, Slava fugiu ruidosamente para o Ocidente em 1974. Caiu no colo dos Estados Unidos, que lhe ofereceram imediatamente o posto de maestro titular da Orquestra Sinfônica Nacional, lá mesmo em Washington, juntinho da Casa Branca. Ícone da guerra fria, Rostropovich foi muito usado pela mídia e pelo governo norte-americano como arma de guerra.
Pouco se importou com isso, entretanto. Seu negócio sempre foi fazer música. Desde a meninice, quando seu pai, aluno de Casals, era professor de violoncelo no conservatório de Baku. A família mudou-se para Moscou em plena Segunda Guerra Mundial – e lá Slava conheceu os dois músicos que marcariam sua vida para sempre: os compositores Prokofiev e Shostakovich. Sobretudo este último, que lhe dedicou o “Concerto para Violoncelo” e foi sua alma gêmea artística.
Dois anos depois de vir para o Ocidente, Slava esteve em São Paulo, tocou em Campos do Jordão e até deu uma aula pública no Festival de 1976. Ensinou duas lições básicas: a disciplina férrea nos estudos e na preparação de um concerto; e a intensidade emocional que a obra musical tem que provocar no intérprete e, por consequência, na platéia – seja ao vivo, na sala de concertos, seja virtual, nas gravações. Em entrevista de 2002, ele explica isso: “Quando olho uma partitura, mesmo lendo-a sem o violoncelo à mão, tento entender que tipo de emoção o compositor experimentou ao escrevê-la. Porque para mim a composição é como um roteiro das emoções e sentimentos do compositor no momento mesmo em que estava escrevendo a música”.
Este tipo de enfoque da interpretação pressupõe total domínio técnico do instrumento, de tal modo que não existam dificuldades nem obstáculos para a execução. Pois é esta facilidade que se torna cristalina quando se ouve Rostropovich . Além de tudo isso, Slava estava no lugar certo e no momento certo. A convivência com Shostakovich e Prokofiev levou-o ao gosto sólido pela música contemporânea – e tal como Casals ele também foi dedicatário de dezenas de obras de compositores atuais. A lista é um “who’s who” de celebridades: o norte-americano Leonard Bernstein (“Slava”); o maior compositor inglês do século 20, Benjamin Britten (“Sinfonia para Violoncelo”); os notáveis compositores poloneses Penderecki (“Concerto para Violoncelo no. 2”) e Lutoslawski (“Concerto para Violoncelo”).
Logo após a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União Soviética, Slava pôde retornar ao seu país – agora como visitante ilustre.
Hoje, quando a guerra fria deixa de ser apenas uma lembrança dos que a viveram e de novo aparece como um fantasma ameaçador, pode-se ter uma ideia do mundo tenso no qual Slava afirmou sua arte. No Ocidente, também atuou como maestro – foi titular da Sinfônica Nacional de Washington e com ela esteve no Teatro Municipal de São Paulo mostrando uma regência que pode ser chamada de alternativa, mas que funcionava muito bem. Os músicos sabiam o que ele lhes pedia. E a música soava extraordinária.
Um de seus alunos, o inglês Moray Welsh, que estudou no Conservatório de Moscou em 1969/70, numa conversa com o mestre, perguntou-lhe como encontrou seu som único. E Slava respondeu: “Para mim sempre foi mais importante saber que, em vez de buscar uma sonoridade una, eu preciso de 100 ou 200 sons diferentes no cello para me expressar”. Parece brincadeira, mas é verdade. Quem o assistiu em concertos ou ouve suas gravações maravilha-se com a variedade de entonações, fraseados e acima de tudo timbres diferentes que seu instrumento emite. Um milagre que parece prestidigitação de estúdio de gravação.
É por isso que “Mstislav Rostropovich – a portrait” é o CD desta semana na Cultura FM. No portal da rádio, você pode ouvi-lo na íntegra. É um retrato do violoncelista, não do maestro. E que retrato. Aí está sua leitura apaixonante da primeira das seis suítes solo de Bach; movimentos de concertos de Haydn, Schumann, Brahms e Dvorák; e atuações camerísticas em Beethoven e Brahms.
FAIXAS
Suíte para violoncelo no. 1 BWV 1007 (registro de 1995):
1. Prélude
2. Allemande
3. Courante
4. Sarabande
5. Menuet I
6. Menuet II – Menuet I
7. Gigue
Joseph Haydn: Concertos para violoncelo com Slava solando e regendo a Academy of St. Martin in the Fields (1976):
8. No. 1 em dó maior: Moderato
9.III. no. 2 em ré maior: Rondó: Allegro
10. Ludwig van Beethoven: 12 Variações em fá maior sobre “Uma menina ou moça”, op. 66, da “Flauta Mágica”, de Mozart: abertura, com Vasso Devetzi ao piano (1975)
11. Johannes Brahms: concerto duplo em lá menor, op. 102, Slava e David Oistrakh ao violino, Orquestra de Cleveland, regência George Szell movimento III Vivace non troppo (1970)
12. Johannes Brahms: sonasta para violoncelo no. 2 em fá maior op. 99, com Alexander Dedyukhin ao piano, movimento IV Allegro molto (mono, remasterizado em 2007)
13. Antonin Dvorák: concerto para violoncelo em si menor op. 104, com Filarmônica de Londres regida por Carlo Maria Giulini, movimento I Allegro (1976)
14. Robert Schumann: concerto para violoncelo em lá menor op. 129, com a Orquestra Nacional da França, regida por Leonard Bernstein. Movimento III: Muito animado (1977)
CD Warner Classics nacional, 2013.
O cmais+ é e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura,
TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.
Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.
Compartilhar