O primeiro registro da integral para piano em gravação inédita de Sonia Rubinsky
O CD desta semana ainda nem foi lançado. É rigorosamente inédito. Há bons anos atrás, a pianista Sonia Rubinsky entrou em estúdio capitaneado pelo ótimo engenheiro de som Otto Drechsler. E gravou 19 faixas de três compositores paranaenses unidos pelo sobrenome Itiberê: os irmãos Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913), João Itiberê da Cunha (1870-1953) e o sobrinho deles, Brasílio Itiberê (1896-1967).
A ideia, muito boa, era lançar um CD contendo a integral da obra para piano dos três. Missão mais do que fundamental, porque até hoje só há registros fonográficos da “Sertaneja”, peça de Brasílio Itiberê da Cunha, o mais velho dos irmãos. Composta em 1869, é “a mais antiga obra pianística de concerto significativa escrita no país e das mais antigas composições brasileiras a fazer uso de melodias folclóricas. Entre as inúmeras qualidades da obra o que mais chama a atenção é a perfeição formal.”, na expressão do maestro Osvaldo Colarusso, que há poucas semanas dedicou-lhe um belo e informativo post em seu blog no jornal “Gazeta do Povo” (vale a pena ler o seu ótimo comentário; acesse http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/).
Todas as demais peças gravadas por Sonia Rubinsky, informa a pianista, são inéditas em disco. Um pouco da história dos Itiberês paranaenses: o autor da “Sertaneja” é o mais velho e também o mais conhecido. Nascido em Paranaguá, era estudante de Direito no Largo São Francisco, em São Paulo, quando compôs a peça, a primeira que remaneja uma canção popular (no caso, “Balaio, meu bem, balaio”). Convidado pela princesa Isabel, tornou-se diplomata. Na Itália, foi amigo de Liszt, Anton Rubinstein e Giovanni Sgambati. Estava em Berlim quando morreu, em 1913, às vésperas de ser transferido para os Estados Unidos. Além da “Sertaneja”, que recebe aqui de Sonia sua mais consistente interpretação, a pianista nos revela outras quatro peças: “Nuits Orientales” tem um acompanhamento irrequieto na mão esquerda muito interessante; “La Dahabieh” emula as ondulações de um barco (Dahabieh é um tipo de barco egípcio usado para se passear no rio Nilo); em “Mazurka” ele paga tributo a Chopin, claro; e, a partir de uma peça de jeitão pré-clássico do segundo dos vinte filhos de Bach, Itiberê constrói uma vinheta virtuosística saborosa no “Estudo (CA.P. Bach)”.
O seu irmão mais novo, João Itiberê da Cunha, nasceu 16 anos depois de Brasílio. Aos 10 anos, em 1880, foi com o irmão para Bruxelas, na Bélgica. Lá estudou piano no Conservatório com Jean Riga. Voltou ao Brasil, fixando-se em Curitiba, em 1892. Tentou a carreira diplomática, mas optou pelo jornalismo. Já no Rio de Janeiro, trabalhou no jornal “A Imprensa”. Depois foi crítico musical da revista “A Renascença” e foi um dos fundadores do “Correio da Manhã”, onde foi crítico musical a partir de 1925. Dele, Sonia interpreta seis peças: do lírico “Canto d’Amor”, João passa pela gaiatice de “Ils s’amusent”, ou Eles se divertem, em que empilha vinhetas de tempos contrastantes. “La Chanson nostalgique” é pura música de salão. Mas “No Rancho” é francamente popular, deliciosa; “Paraná” começa com o baixo entoando a melodia graciosa, tributo a sua terra natal; e “Melodia-Valsa” mergulha de vez no langor das valsas de Nazareht (e Mignone, talvez?).
O terceiro Itiberê é só Brasílio. Sobrinho dos dois primeiros, nasceu em Curitiba em 1896. De início estudou piano com Adolfo Corradi. Cursou engenharia. Em 1927, fundou no Rio de Janeiro a revista modernista “Festa”, com o crítico musical Andrade Muricy, também paranaense. De 1934 em diante, mudou-se para o Rio. De dia, trabalhava como engenheiro. À noite, curtia amizades como a de Pixinguinha e Villa-Lobos. Incentivado por Villa, passou a se dedicar mais a sério à música. Assumiu a cadeira de Folclore no Instituto de Artes, no Rio, em 1938.
Sonia toca sete peças do sobrinho Brasílio. É curioso que, enquanto dos dois tios nada se saiba das datas de composição de suas peças (exceto a Sertaneja), no caso de Brasílio sabemos que a suíte “Invocação, Canto e Dança” é de 1934. A Toccata é de 1937. E Xangô, Ogum e O Protetor Exu de 1940. Como na Enciclopédia da Música Brasileira aparece uma “Suíte litúrgica”, é possível que as três últimas peças sejam esta suíte. Aqui a influência do folclore, sua especialidade por incentivo de Villa-Lobos, é maior, como se ouve na Dança de 1934 e em Xangô, Ogum e O Protetor Exu. Ele escreve bem para piano. A Toccata final, curtíssima, parece inacabada.
Sonia tem um toque vigoroso e ao mesmo tempo preciso. É a intérprete perfeita para não melar demais os langores ou exagerar nas peças mais virtuosísticas.
Durante esta semana, os ouvintes da Cultura FM poderão ouvir, em primeira gravação mundial, esta integral dos Itiberês por Sonia Rubinsky. Um gesto generoso da pianista ao liberar estes áudios para streaming durante uma semana no portal da rádio.
FAIXAS
João Itiberê da Cunha (1870-1953):
1. Canto d'Amor
2. Ils s'amusent
3. La Chanson Nostalgique
4. No Rancho
5. Paraná
6. Melodia-Valsa
Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913):
7. Sertaneja
8. Nuits Orientales
9. La Dahabieh
10. Mazurka
11. Estudo (CPE Bach)
Brasílio Itiberê (1896-1967):
12. Invocação
13. Canto
14. Dança
15. Xangô
16. Ogum
17. O Protetor Exu
18. Toccata
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