Em emocionantes interpretações de Verlucia Nogueira e o piano de Tiago Fusco
“Eu já vim pronto, um poeta puro / Que me desculpem aqueles que não o são / Às vezes anjo mais pra pecador / Fera indomada estando com a razão / Mais dado ao riso bem pouco ao furor / Não sou de pegar a coisa que vai / Chutando-a a um canto alguém depois que o faça / Confesso mia ogeriza asco horror / Aos poderosos ao homem violento / Ao mentiroso e à estupidez da massa. / Conhecedor de Física e Matemática / Esculhambo com prazer toda a ciência / Que mente e trapaceia em toda existência / E a serviço dos maus põe suas práticas. / Pra terminar esta triste figura / Com uãs pinceladas mais em branco e preto / Sem coloridos e em tosca moldura / Aqui deixo esboçado meu retrato”.
Este poema intitulado “Meu Retrato” dá o tom do universo poético-musical especialíssimo de Elomar Figueira de Mello, filho de tradicional família da zona da mata baiana nascido em 1937 na Fazenda Boa Vista, em Vitória da Conquista.
Sua obra desafia julgamentos e sequer enquadra-se em algum movimento artístico convencional, seja ele qual for. A exceção é o movimento armorial de Ariano Suassuna, sem dúvida sua alma-gêmea, como, aliás, Guimarães Rosa, o diplomata-sertanejo. O que é claro é o seguinte: Elomar, Suassuna e Rosa transitam no mesmo bloco precioso e raro dos que conhecem o Brasil profundo e o traduzem com imensa genialidade.
Elomar não se deixa fotografar nem filmar. Quando a equipe do Itaú Cultural lhe pediu uma foto para ilustrar o livreto, ele mandou o poema que acabei de ler, “Retrato”. Ao mesmo tempo, parece nossa alma gêmea quando ouvimos suas canções telúricas, ancestrais. Ele sempre “nos convida, em seus poemas e suas canções, a iniciar uma caminhada de mil léguas rumo à pátria que o artista sonhou. Não garantimos a chegada, apenas uma companhia para o estradar”. A frase está no primoroso “Guia de Algibeira do Sertão Profundo”, editado pelo Itaú Cultural quando promoveu a Ocupação Elomar em julho/agosto de 2015 – com direito a uma raríssima apresentação de Elomar e seu filho João Omar, violonista excepcional, no Auditório Ibirapuera.
Dito tudo isso, vamos ao CD desta semana, “Estradar”. Treze canções que nos encantam tanto quanto a saga de Diadorim de Rosa ou o “Auto da Compadecida” e as palestras-shows de Suassuna. Elomar, aliás, escreveu dois autos: “Auto do Tropeiro Gonsalim” e “Auto da Catingueira”, dos quais foram pinçadas canções para este álbum precioso. Verlúcia Nogueira nasceu em Juazeiro do Norte, sertão do Ceará. Veio pra São Paulo, estudou na faculdade, onde encontrou o pianista Tiago Fusco. Detalhe: as versões, supervisionadas por João Omar, são surpreendentes para uma música que faz do som das cordas sua base, sua carne, sua paixão.
A produção caprichada estende-se ao encarte, contendo todas as letras e um glossário do significado de suas palavras e expressões típicas do que chama de “dialeto sertanezo” (sic).
FAIXAS
1. Bespa
2. Cavaleiro do São Joaquim
3. A pergunta
4. Curvas do rio
5. O pidido
6. Clariô
7. História de vaqueiros
8. Cantada
9. Função
10. Campo branco
11. Retirada
12. Incelença pro amor retirante
13. Na quadrada das águas perdidas
Verlucia Nogueira – voz
Tiago Fusco – piano
Arranjos – Verlucia e Tiago
Direção artística: João Omar
Gravado no Space Blues (SP) em junho de 2019
CD Selo SESC, 2019.
O cmais+ é e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura,
TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.
Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.
Compartilhar