Misael Domingues era doutor mas gostava mesmo de compor polcas, valsas e xotes
Uma revelação. É o mínimo que se pode dizer depois de ouvir as gemas pianísticas à Nazareth compostas pelo alagoano Misael Domingues. Elas permaneceram desconhecidas por longos anos. E agora são devidamente divulgadas pela pianista Sonia Maria Vieira, hoje com 73 anos, no CD desta semana na Cultura FM.
Uma preciosidade. As peças pianísticas do Doutor Misael – sim, ele era engenheiro civil, nascido em 21 de dezembro de 1857 em Marechal Deodoro, no Estado de Alagoas, que depois mudou-se com a família para Pernambuco – ficariam desconhecidas não fosse o fato de Guerra-Peixe ter arrematado um lote dessas partituras em leilão de encerramento de atividades da Casa Préalle, de Recife. Para se ter uma ideia, Misael encomendava as edições das partituras de suas obras – e esta enviava os originais para a célebre e multissecular editora Breitkof & Hartel alemã.
Quando Guerrre-Peixe decidiu fazer uma palestra dando conta desta descoberta, pediu a sua aluna Sonia Maria Vieira que as tocasse. “O encantamento que tive foi imediato”, conta a pianista. “Como não amar obras tão pianísticas, românticas e de tal qualidade, personalidade e variedade de gêneros?”.
Entre as polcas de Misael estão “Bésinha”, “Brasileira, “Olha o urso”, “Didi” e “Belezas do Recife”. Entre as valsas, “Nilza”, “Dulce” e “Eu era assim”. E também peças mais encorpadas, como o romance sem palavras “Revelação”, uma delicada rêverie intitulada Ao longe e até um morceau – ambas assim mesmo, grafadas em francês, como era costume no mundo cultural do século 19. Doutor Misael compôs em 1889 o “Hino de Alagoas”. E uma polca com título em francês mesmo, “Mes Songes”, meus sonhos. Outro gênero interessante é o que Misael chama de “mazurca sentimental”.
Sua escrita tem, é claro, a ver com a de Nazareth, na medida em que ambos são fortemente influenciados pela linguagem romântica de Chopin. Daí o apelido “Nazareth do Nordeste”.
Sonia gravou em 1981 um LP tirando do ineditismo algumas peças do compositor. E olhem que Zito Baptista Filho, do “Globo”, e José Ramos Tinhorão, do “Jornal do Brasil” -- ambos profissionais muito competentes que tive a chance de conhecer -- consideraram este o melhor disco daquele ano.
O CD que você vai ouvir quantas vezes quiser esta semana aqui no portal da rádio foi gravado por Sonia em 2007 pensando na passagem dos 150 anos de nascimento de Misael Domingues. Mas, como não obteve apoio da Secretaria de Cultura de Alagoas, decidiu em 2017 bancar ela mesma os custos.
Misael Domingues viveu até 2 de dezembro de 1932, portanto foi contemporâneo de Ernesto Nazareth. Mesmo assim sua música só circulou pelo Nordeste a partir de Recife. Permaneceu completamente ignorada no sul do país.
FAIXAS
1. Revelação (romance sem palavras)
2. Saudade (valsa)
3. Alaíde (polca)
4. Ao longe (revêrie)
5. Mes Songes (polca)
6. Mimo do céu (valsa)
7. Balbuciando (morceau)
8. Bésinha (polca)
9. Ao relento (2ª. sereneta)
10. Eu era assim (valsa)
11. Yolita (polca)
12. Lágrimas de um anjo (mazurca sentimental)
13. 1897 (valsa)
14. Cismando (polca)
15. Cantilena
CD Acari Records, 2017
www.acari.com.br
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