Incluiam, além da Sinfonia Eroica, a “grande sonata” “Waldstein”
As duas modestas sonatas que foram publicadas como opus 49 de Beethoven em 1805 haviam sido compostas quase dez anos antes, entre 1795 e 1797. Na verdade, talvez Beethoven nem pensasse em publicá-las, já que eram apenas peças para estudantes, de sentido pedagógico, nas quais ele renunciou a qualquer dificuldade técnica ou maior ambição composicional.
Isso aconteceu porque, entre 1802 e 1805, Kaspar Karl chamou para si a tarefa de negociar a publicação das músicas de seu irmão junto aos editores. Fez muita confusão, tentou até fazer passar como sendo de Ludwig algumas danças e uma série de 12 valsinhas suas mesmo – tudo a fim de faturar. Em muitos casos, sequer avisou o compositor de suas manobras.
Ambas as sonatas opus 49 são em dois curtos movimentos. E não oferecem maior interesse artístico. Não é o caso da sonata opus 54, também em dois curtos movimentos, composta em 1804. No momento em que trabalhava nesta sonata também buscava compor o primeiro finale da ópera “Fidelio”, e anotou numa folha de esboços: “Finale sempre mais simples. Válido também para toda a música para teclado”. Estes dois curtos movimentos representam alternativas aos esquemas tradicionais da construção de sonatas.
Não por acaso, esta sonata é contemporânea de duas obras-primas, a Appassionata opus 57 e a “Waldstein” opus 53 – esta última a gema deste álbum, que ganha de Fazil Say uma interpretação magnífica, ponto alto de sua integral das 32 sonatas gravada em nove CDs para a Warner Classics e lançada este ano. Na verdade, Beethoven ofereceu estas duas e a sonata opus 54 a um editor francês. Ele queria mostrar “música revolucionária” na Paris epicentro da Revolução Francesa. Não se pode esquecer que ele também compunha naquele momento a “Sinfonia Eroica”, inicialmente dedicada a Napoleão. Seu sonho desmoronaria em seguida, quando Napoleão autocoroou-se imperador.
Mas esta é outra história. A Waldstein foi composta imediatamente antes de ele começar a pôr no papel a Eroica. Dedicou-a ao Conde Waldstein, seu primeiro mecenas, que o ajudou a mudar-se para Viena e que conheceu quando ainda morava em Bonn. Waldstein também o aproximou da nobreza vienense, facilitando-lhe a vida. Ele a chamou de grande sonata, porque naquele momento sua preocupação era expandir – fosse a forma sonata, fosse o próprio instrumento. Ele ficou conhecido em Viena por sempre pedir aos fabricantes que construíssem instrumentos com tessitura maior. E sua maneira de forçá-los a isso era escrever música que concretamente “não cabia” nos pianos de quatro ou cinco oitavas à sua disposição.
Além disso, ele busca aqui novas sonoridades – e também modificar a estrutura da forma. Seu dublê de aluno e secretário Ferdinand Ries anotou que Beethoven desistiu de um andamento lento, um Andante inicialmente previsto, porque um de seus amigos reclamou que a sonata está comprida demais. Ingenuidade que nada tem a ver com a atitude criativa de Beethoven. Ele jamais deu bola para observações de terceiros. O fato é que o curtíssimo Adagio molto é claramente desproporcional aos dois movimentos que o emolduram – e funciona como mero preâmbulo do luminoso e virtuosístico, heroico mesmo, finale. Curiosidade: o movimento final tem dois terços de sua duração ocupados pelo andamento Allegretto moderato que desemboca ”attacca” no Prestissimo – ou seja, emenda-se direto, sem pausa. Gesto de bravura, de quem deseja conquistar novos e desconhecidos territórios sonoros. Naquele momento, seu destino era a Paris revolucionária que preenchia seus sonhos políticos.
FAIXAS
Sonata no. 19 em sol menor opus 49 no. 1:
1. Andante
2. Rondo (Allegro)
Sonata no. 20 em sol maior, opus 49 no. 2:
3. Allegro ma non troppo
4. Tempo di Minuetto
Sonata no. 21 em dó maior, opus 53 “Waldstein”:
5. Allegro con brio
6. Introduzione (Adagio molto)
7. Rondo (Allegretto moderato – Prestissimo)
Sonata no. 22 em fá maior, opus 54:
8. In tempo di Minuetto
9. Allegretto – Più allegro
CD Warner Classics, 2020.
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