Canções, obras sinfônicas e para piano, num curto mas rico itinerário criativo
“Ontem – vocês acreditarão? – ouvi pela vigésima vez a obra-prima de Bizet. Fiquei novamente até o fim, com suave devoção, novamente não pude fugir. Esse triunfo sobre minha impaciência me espanta. Como uma obra assim aperfeiçoa! Tornamo-nos nós mesmos ‘obra-prima’. – Realmente, a cada vez que ouvi Carmen, eu parecia ser mais filósofo, melhor filósofo do que normalmente me creio”. E em outro trecho nosso espectador embasbacado diante da ópera Carmen derrama-se em elogios definitivos: “Esta música me parece perfeita. Aproxima-se leve, sutil, com polidez. É amável, não transpira. ‘O que é bom é leve, tudo divino se move com pés delicados’: primeira sentença da minha estética. Esta música é maliciosa, refinada, fatalista: no entanto permanece popular – ela tem o refinamento de uma raça, não de um indivíduo. É rica. É precisa. Constrói, organiza, conclui: assim, é o contrário do pólipo na música, a ‘melodia infinita’. Alguém já ouviu num palco entonações mais dolorosamente trágicas? E a maneira com são obtidas! Sem caretas! Sem falsificação! Sem a mentira do grande estilo! – Por fim: esta música trata o ouvinte como pessoa inteligente e até como músico – e também nisso é o oposto de Wagner”.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche foi um dos primeiros e mais ilustres apaixonados pela música de Georges Bizet, compositor deste mês na Cultura FM. Abjurou a devoção incondicional por Richard Wagner e mergulhou de cabeça na história da cigana empregada numa fábrica de cigarros em Sevilha.
Nenhuma outra ópera invadiu e conquistou como esta o imaginário da cultura popular. Em filmes, apareceu pela primeira vez em 1910, e ainda no reino do cinema mudo teve em Geraldine Ferrar, Pola Negri e Theda Bara suas primeiras Carmens na telona. E apenas até 1948 contabilizam-se outras dezesseis Carmens encarnadas por grandes estrelas, já na era do cinema sonoro, que atendem pelos nomes de Dolores del Rio e Rita Hayworth, entre tantas outras. De lá para cá, ao menos quatro filmes destacam-se pela qualidade: “Carmen Jones” (1954), de Otto Preminger, e outros três do biênio 1983-84: “A Tragédia de Carmen”, de Peter Brook, “Carmen” de Francesco Rosi e “Carmen” de Carlos Saura.
Mas, além do cinema, “Carmen” invadiu os desenhos animados, a publicidade, o dia-a-dia de músicos e pessoas comuns. Até espetáculos de patinação no gelo não deixam de incluir uma ou outra melodia da ópera em seus gelados e virtuosísticos números. Platéias de todo o mundo e músicos e cantores de todos os gêneros capitulam até hoje diante da extraordinária beleza de melodias como a ‘”Habanera” (“L’Amour est un Oiseau Rebelle”), a “Seguidilla” e “La fleur que tu m’avais jetée”.
Georges Bizet viveu tão pouco quanto Mozart – 36 anos. Nasceu em 25 de outubro de 1838. Não teve tempo sequer de saborear o monumental sucesso de sua obra-prima. Morreu em 3 de junho de 1875, três meses antes de completar 37 anos. A posteridade foi cruel para Bizet, carimbando-o como compositor de uma única obra. Meia-verdade, já que sua severa autocrítica o levou, por exemplo, a conceber 31 projetos de ópera séria, cômica ou opereta. Mas só concluiu oito delas. Também escreveu ciclos de canções, alguma música sinfônica e pianística.
De fato, ele é basicamente lembrado pelo grande público apenas por “Carmen” e outra ópera, “Os pescadores de pérolas”, e também pela música incidental que compôs para a peça “L’Arlésienne”, baseada na novela de Alphonse Daudet. Pode soar incrível, mas Bizet poderia ter passado para a posteridade como um dos grandes virtuoses do piano do século 19.
Ao longo deste mês, vamos repassar, no Rádio Metrópolis e no Tarde Cultura, sua vida, trajetória e suas obras – dando espaço para que você descubra outras criações musicais deste gênio cultuado em geral apenas pela “Carmen”.
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