Muito além das Quatro Estações
Como a obra de um compositor pode ter sido tão decisiva, popular e influente em seu tempo e em seguida ter dormido, esquecida nas bibliotecas de monastérios por dois séculos? E, mais milagrosamente ainda, emergiu oitenta anos atrás com uma força inédita, capaz de emocionar e ser atualmente ainda mais popular do que foi em seu tempo, a ponto de sua obra mais popular, os quatro concertos intitulados “As Quatro Estações” ser campeã absolutas em volume de gravações, com mais de mil registros?
Um dos maiores escritores do século 20, o cubano Alejo Carpentier, dedicou a Antonio Lucio Vivaldi o magnífico romance “Concerto Barroco”, imaginando-o em ação no Carnaval de Veneza ao lado de Haendel e Domenico Scarlatti, um bem-humorado encontro ficcional. Como sua obra ficou por tantos anos esquecida?
Incrível, mas aconteceu. Nascido em Veneza em 1678, Vivaldi saboreou todas as glórias possíveis da fama em vida, influenciou simplesmente o maior compositor de todos os tempos, Johann Sebastian Bach, impôs a fórmula do concerto solista, com cerca de 600 concertos que estabeleceram um novo gênero na música instrumental. Vivaldi, porém, não foi só o principal compositor de música instrumental de seu tempo. Ao todo, suas obras chegam a 748 – total catalogado pelo pesquisador Peter Ryom há trinta anos (é de sua inicial que se compõe a classificação da obra do compositor, com as letras RV = Ryom-Verzeichnis). Também compôs várias dezenas de óperas, atuou como empresário em montagens líricas de suas criações líricas por toda a Europa; e ainda teve tempo para compor música sacra em abundância, e da melhor qualidade.
Mas, quando morreu, em 28 de julho de 1741, já estava fora de moda. Abandonou pela última vez sua querida Veneza para tentar a sorte em Viena. A cidade lhe foi madrasta. Morreu sem vintém e foi enterrado num cemitério do próprio hospital onde morreu, nos limites de Viena, em vala que jamais foi localizada.
Nem ao menos o seu maior sucesso em vida, a série de concertos “As Quatro Estações”, conseguiu manter-se na vida musical européia após sua morte. O inexplicável silêncio só rompeu-se nos anos 30 do século passado, quando o poeta norte-americano Ezra Pound promoveu uma série de concertos com música de Vivaldi entre 1933 e 1939 na cidade italiana de Rapallo. Não por acaso, Pound morreu em Veneza, a cidade natal do compositor pelo qual era fanático. A violinista PIna Carmirelli, que participou desses concertos, pesquisou quase 400 obras instrumentais na bibioteca de Turim; em seguida, dois compositores, Alfredo Casella e gian Francesco Malipiero editaram sua obra religiosa, incluindo o Gloria hoje muito famoso, e suas óperas. Malipiero deu às partes de baixo contínuo das Quatro Estações, por exemplo, uma escrita romântica cheia de arpejos. Foi assim que esta obra foi gravada pela primeira vez, em 1950, pelo selo cetra. De lá para cá, transformou-se seguramente na mais conhecida obra de música barroca no planeta.
As últimas oito décadas têm sido generosas com Vivaldi, transformando-o num dos compositores mais populares no mundo inteiro. Durante este mês, vamos revisitar suas obras mais conhecidas e também aquelas menos tocadas, mostrando que a sua música vai muito além das Quatro Estações.
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